SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Enquanto membros da campanha Fora, Bolsonaro esperam maior adesão nas manifestações em defesa do impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) previstas para sábado (3), partidos e atores políticos mais à direita avaliam que a crise se agravou, mas ainda digerem os novos fatos com ceticismo sobre a formação de uma força de oposição mais ampla e decisiva.
As novas suspeitas de irregularidades na aquisição de vacinas contra a Covid-19, reveladas pelo jornal Folha de S.Paulo, e o caso Covaxin, no alvo da CPI da Covid desde semana passada, movimentaram algumas peças.
A avaliação é a de que Bolsonaro perdeu de vez um fundamento estruturante de seu discurso, o de que seu governo não tinha casos de corrupção –embora a tese fosse contestada a partir de investigações de ministros e do filho Flávio por um esquema de “rachadinha”. A expectativa é de estrago na opinião pública.
A campanha divulgou nesta quarta um balanço de 177 atos convocados em 165 cidades do Brasil e exterior.
O PSDB, que vinha se mantendo afastado dos atos, convocados sobretudo por movimentos e partidos de esquerda, decidiu se somar aos protestos. O MBL (Movimento Brasil Livre), protagonista do impeachment de Dilma Rousseff (PT), resolveu consultar seguidores sobre ir às ruas.
Entre os tucanos, uma convocação à militância será feita pelo diretório municipal do PSDB na capital paulista.
“Não queremos fazer uma manifestação nossa nem medir forças com ninguém. A ideia é derrubar esse cara [Bolsonaro], que não tem mais condição de exercer a Presidência. A gente abre o jornal e fica enojado”, diz Fernando Alfredo, presidente do diretório tucano da capital.
O chamado deverá ser enviado até o final da semana para os militantes do partido na cidade. Segundo Alfredo, é possível haver a participação de até mil tucanos.
Ainda não está decidido se serão usados símbolos do partido, como camisetas. Também não haverá caminhão de som próprio. Caso haja convite para que lideranças do PSDB discursem no evento, será aceito, afirma o dirigente.
“Subiremos sem problema no caminhão de som que estiver lá, mesmo que seja da esquerda. Nós somos adversários em momento eleitoral”, diz.
A princípio, a participação dos tucanos será feita por dirigentes partidários e militantes, sem a presença do governador João Doria (PSDB), que é pré-candidato a presidente.
Renan Santos, coordenador nacional do MBL, diz que sua posição pessoal é pela realização de protestos pelo impeachment. “Tudo se encaminha pra um gigantesco esquema de roubo de vacina. Não dá pra não ir pra rua”, escreveu.
Nesta quarta (30), Renan resolveu consultar a opinião de seus seguidores em um vídeo.
O MBL debate a questão internamente e vai levar em conta opiniões nos comentários da publicação. No vídeo, Renan afirma que só há impeachment com pressão popular.
“Isso não tem paralelo em nada que já vi na história do Brasil. […] Se você não for pra rua, não vai ter impeachment.”
O MBL é um dos movimentos que assinam um superpedido de impeachment protocolado na Câmara nesta quarta.
Diante das novas suspeitas que pesam sobre o governo, houve pressão para que Lula (PT) se manifestasse pelo impeachment, o que o petista já fez em outras ocasiões.
Membros de partidos do centro avaliam que o ex-presidente prefere que Bolsonaro dispute a eleição de 2022, uma vez que as pesquisas mostram a vitória do petista. Dirigentes do PT rechaçam a tese.
Nos bastidores, uma fala de Lula era esperada, e a explicação para a demora estaria no fato de que o ex-presidente tem calculado cada passo.
No fim da tarde, por fim, Lula tuitou: “Espero que as manifestações de rua convençam o presidente da Câmara [Arthur Lira] a colocar em votação [o superpedido]”.
A presidente do partido, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), disse esperar que outros setores da sociedade, além da esquerda, engrossem a mobilização popular pelo impeachment. “Só assinar o pedido não adianta”, diz.
A parlamentar afirma que o novo escândalo atinge Bolsonaro em uma bandeira que lhe é cara, a do combate à corrupção. “Começa uma erosão política, que vai aumentar.”
Entre os atores de esquerda, a estratégia é ampliar os movimentos de oposição em direção ao centro e formar uma frente mais diversa, a exemplo do que ocorre no superpedido de impeachment. Outra tática é tentar descolar os protestos do debate eleitoral de 2022, o que manteve Lula de fora dos atos até agora, apesar de incentivá-los nas redes.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o crescimento da pressão pelo impeachment esbarra em pautas da esquerda que não ecoam no centro, sobretudo em relação à economia, e no receio de parte da população em convocar aglomerações ou aderir a elas na pandemia.
Hoje a Campanha Fora, Bolsonaro é majoritariamente de esquerda. A segunda manifestação teve novas adesões –centrais sindicais, o Movimento Acredito e siglas como PSB, PDT e Rede, que dizem não estimular as aglomerações, mas não proibiram a presença de seus quadros; o Cidadania anunciou apoio oficial às manifestações.
“Se houver manifestações sem bandeiras partidárias, fatalmente todos iriam embarcar, revivendo o movimento dos caras-pintadas [contra Collor]. O governo entrou num caminho sem volta”, diz o deputado federal Júnior Bozzella, presidente do PSL-SP.
As últimas revelações sobre propina e os desdobramentos do depoimento dos irmãos Miranda na CPI são temas de conversas bilaterais entre líderes e presidentes de partidos que não embarcaram de vez na oposição ou que dão sustentação ao governo.
A grande questão é se ou quando partidos do centrão abandonarão Bolsonaro. Na esquerda, esse movimento é esperado, a exemplo do que aconteceu com Dilma.
Caciques do chamado centro avaliam, nos bastidores, que o governo Bolsonaro está sendo corroído crise após crise e que uma acusação de corrupção é o principal revés até agora, mas acham improvável que haja impeachment.
Primeiro, porque Arthur Lira (PP-AL), não demonstra disposição em levar o impeachment adiante. Em segundo lugar, o vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB), tampouco articula para isso e lhe faltaria peso político. Nessa leitura, o centrão tira mais proveito da degradação de Bolsonaro do que da sua remoção.
O presidente do Cidadania, Roberto Freire, acha que novas adesões não virão de partidos, mas da própria população, o que mobilizará parlamentares. Marcelo Freixo (PSB-RJ) também aposta em manifestações maiores, movidas pelo clima de insatisfação.