SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Chamei todos aqui para que, juntos, nós entendamos que nós não devemos promover a insegurança na cidade. A responsabilidade disso é de todos nós. […] Que nós olhássemos olho no olho, um de cada um, e nos comprometêssemos de que não haja nenhum problema”, afirmou o coronel da PM Prates, responsável pelo policiamento na região central de São Paulo.
Em sua pequena sala, na sede do Comando de Policiamento de Área Metropolitano 1, cerca de 15 organizadores do atos do 7 de Setembro, de esquerda e de direita, ouviam o discurso em um clima misto de desconfiança e aceitação.
Apoiadores de Jair Bolsonaro (sem partido) organizam um ato pelo voto impresso, pela liberdade e contra o STF (Supremo Tribunal Federal), em meio a outras pautas golpistas, na avenida Paulista durante a tarde, com a esperada presença do presidente. A Campanha Fora Bolsonaro, fórum que reúne grupos e partidos majoritariamente de esquerda, protestará contra o presidente na mesma data, também durante a tarde, no vale do Anhangabaú.
Cada um dos lados teve reunião, nesta terça-feira (31), com a Polícia Militar para tratar da organização de suas mobilizações. Após o fim da reunião da direita e antes da reunião da esquerda, Prates resolveu promover em sua sala o que chamou de pacto, com membros de ambos os lados em um encontro informal que durou dez minutos.
“Gostaria que todos entendessem que nós somos responsáveis pela segurança de todas as milhares de pessoas. Qualquer palavra dita de uma forma errada, em um tom diferente, nós podemos criar um grande pânico na cidade de São Paulo”, continuou o comandante, falando a respeito de escolher bem os discursos nos caminhões de som.
Em meio a ameaças golpistas, Bolsonaro vem chamando apoiadores para o ato, o que alimenta o temor de que o presidente utilize a ocasião para alguma tentativa de ruptura democrática. Já na parte da esquerda a preocupação das autoridades é com o quebra-quebra e a presença de black blocks, que costuma ser comum.
Presente na sala, o coordenador operacional da PM, coronel Rogério, afirmou que as manifestações deveriam ocorrer “de forma ordeira, sem violência ou depredação”. “Todos nós conseguimos fazer isso e mostrar que todos somos civilizados e que todos podem conviver no mesmo país, na mesma cidade, quiçá futuramente no mesmo espaço.”
Brevemente, um líder da esquerda e outro da direita disseram estar comprometidos com a ordem e com a segurança, mas não houve nem sequer aperto de mão entre os grupos.
Durante as reuniões com a PM, essas sim formais e registradas em ata, grupos de esquerda e direita se mostraram, no entanto, mais preocupados com questões operacionais da própria manifestação, como posicionamento e vistoria de carros de som, do que com o possível confronto entre os manifestantes antagônicos.
Contudo, o clima de receio com grupos “rivais” -e às vezes entre movimentos da mesma ideologia- permeou os encontros, marcados por desentendimentos e momentos de desorganização.
Líderes da esquerda por exemplo, ao ocuparem o auditório que acabava de ser liberado pelos bolsonaristas da reunião anterior, fizeram questão de saber quem era cada um dos presentes para verificar se representavam algum órgão público ou se havia algum infiltrado remanescente.
Eram nove grupos de esquerda representados -o auditório tinha cerca de 40 pessoas. A reunião anterior, da direita, teve mais de 60 presentes e 34 grupos, gerando aglomeração no auditório, que tinha janelas e portas escancaradas.
Na reunião bolsonarista, policiais tiveram que lembrar o uso de máscara obrigatório -algo ignorado por uma meia dúzia que insistia em usar a proteção com o nariz para fora, numa espécie de rebeldia. Já na vez da esquerda não foi necessário, todos cobriam o rosto.
O encontro dos bolsonaristas com a PM começou às 10h e foi marcado por disputas entre os próprios movimentos sobre o local do caminhão de som de cada um deles. A polícia registrou em ata a expectativa de 15 caminhões de som entre a avenida Brigadeiro Luís Antônio e a Praça do Ciclista. A avenida Paulista será bloqueada para veículos às 11h e deverá ser liberada às 18h.
Diante da briga entre movimentos de direita, a capitã Jaqueline, que conduzia a reunião, questionou: “Mas vocês são movimentos antagônicos? Porque, se forem, não podem estar juntos na Paulista”. A fala lembrou determinação judicial de que grupos pró e contra Bolsonaro revezem as manifestações no local –motivo pelo qual o ato de esquerda foi transferido para o Anhangabaú.
“Nós somos intervencionistas”, respondeu prontamente Raquel Resente, do grupo Damas de Aço, em meio à discussão com o Nas Ruas sobre onde estacionar cada carro de som.
Cada movimento da direita, em seu protocolo enviado à PM para uso da avenida Paulista, definiu o tema da sua mobilização. A lista continha “Deus, família e pátria; voto impresso; liberdade de expressão; apoio a Bolsonaro; direito de imprensa livre e direito de opinião; liberdade; em pro do Brasil, ações sociais e conscientização da família; homenagem à pátria e criação do tribunal constitucional da ordem institucional”.
A polícia alertou que não haverá locais específicos para embarque e desembarque de ônibus. Só o Nas Ruas prevê mais de 350 veículos vindos de outros estados e do interior. A estratégia bolsonarista é concentrar os atos em São Paulo e Brasília. Os organizadores disseram esperar 2 milhões de pessoas na avenida Paulista.
Ainda foi discutida a questão de que duas motociatas marcadas para a data não poderão trafegar pela avenida Paulista. Uma manifestação de veteranos da Rota, que deve sair da av. Tiradentes rumo à Paulista, não poderá passar pelo Anhangabaú.
Houve certa celeuma entre veteranos da Rota e o coronel Rogério, que fez parte da tropa de elite, porque os manifestantes insistiam em levar para a avenida Paulista uma viatura antiga -mas a entrada de qualquer veículo, fora os carros de som, estará proibida.
O coronel recomendou que os manifestantes não “misturassem o nome da Rota” nos atos. “Acabou a conversa”, disse um dos veteranos ao notar que a reportagem anotava a discussão. A imprensa foi convidada para acompanhar as reuniões pela Secretaria de Segurança Pública do Governo de São Paulo.
Ainda durante a reunião bolsonarista, Jurandir Alencar, manifestante que foi preso após ato em frente à casa do ministro Alexandre de Moraes, do STF, no ano passado, abaixou a máscara e falou ao microfone que a mídia faz “terrorismo” ao alertar para a presença de pessoas armadas.
“Nós não estamos com movimento para destruir qualquer patrimônio público ou privado. Nós não iremos às manifestações com qualquer tipo de arma para ameaçar qualquer tipo de outros manifestantes de outras coligações. Nós somos patriotas, somos brasileiros e queremos a liberdade do nosso povo e do nosso país”, disse ele.
Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares e do Grito dos Excluídos, na reunião da esquerda, afirmou que os movimentos trabalham por um ato democrático, bonito e sem problemas e agradeceu o acolhimento da PM.
A reunião da esquerda definiu que o ato será feito das 14h às 17h, e a expectativa de público é de 20 mil a 30 mil pessoas. Serão dois carros de som estacionados ao lado do vale do Anhangabaú, cujo solo com fontes de água não permite que os veículos trafeguem por ali.
A Campanha Fora Bolsonaro divulgou em seu último balanço que estão previstos 58 atos de esquerda pelo país no dia 7.
Por fim, o comandante Prates, em cada uma das duas assembleias, de esquerda e de direita, lembrou que são proibidas armas, hastes de bandeira, fogos de artifício e drones -nada foi dito especificamente sobre a anunciada presença de policiais militares à paisana no ato pró-Bolsonaro.
A PM afirmou ainda que vai reforçar o policiamento nas estações de metrô. Representantes do metrô disseram que não vai haver esquema especial para separar os manifestantes, que devem naturalmente usar linhas diferentes (Amarela e Vermelha para o Anhangabaú; Verde e Azul para a Paulista). Houve o alerta de que alguns acessos do metrô podem ser fechados caso haja aglomeração nas plataformas e serão reabertos em seguida.
A capitã Jaqueline foi questionada pela reportagem sobre preocupação com grupos armados e afirmou que “quem tem porte de arma sabe a responsabilidade do uso”.
Além de policiais, a reunião contou com representantes da prefeitura, das linhas de metrô, da Defensoria Pública, da OAB, da CET, da SPTrans, da Guarda Civil Municipal e dos Bombeiros.