SALVADOR, BA, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Policiais militares do país todo devem aderir aos atos de 7 de Setembro a favor do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas não há risco de ruptura institucional, sustentam associações que reúnem praças e oficiais de diversos estados.
Em meio a um recrudescimento da crise entre Poderes e de atritos entre governadores e forças de segurança, entidades defendem a presença dos agentes em protestos, desde que de maneira individual, e reiteram em parte as críticas aos gestores estaduais.
Opinam, porém, que a temperatura das tropas é baixa na prática, porque os policiais sabem que se cruzarem a linha terão que responder disciplinar ou criminalmente. A preocupação real, dizem, é com salários e condições de trabalho.
“Não é nada desse clima que estão pregando, está havendo uma superestimação”, afirma o coronel da reserva Marlon Teza, presidente da Feneme (Federação Nacional das Entidades de Oficiais Militares Estaduais), que reúne 51 associações e 75 mil filiados.
Bolsonaro tem inflamado os atos e radicalizado os ataques ao STF (Supremo Tribunal Federal) nos últimos dias. Do outro lado, governadores monitoram ações políticas de seus policiais, temendo insubordinações pela infiltração de bolsonaristas nas corporações.
Nesta semana, o coronel Aleksander Lacerda foi exonerado do cargo de comandante de sete batalhões da PM no interior de São Paulo, após fazer críticas ao governador João Doria (PSDB) e convocar seus seguidores nas redes sociais para o protesto na avenida Paulista.
Para o coronel Marlon Teza, o ocorrido não teve grande repercussão nas fileiras dos estados. “Esse caso de São Paulo foi um caso totalmente isolado. O que a gente escuta é que os policiais vão ficar fiéis às ordens das autoridades, à Constituição”, afirma.
Publicamente, as principais associações paulistas se posicionam de forma parecida, sem incentivo explícito ou apoios logísticos. A Defenda PM (de oficiais), por exemplo, diz crer que os agentes em serviço irão “garantir a ordem pública e proteger a população -manifestantes e não manifestantes, de direita e de esquerda”.
No Rio de Janeiro o clima também é morno. Segundo um coronel da PM, a corporação fluminense não é tão unida como em outros locais, e as manifestações se limitam a ações individuais e policiais com cargos políticos. A participação é indiferente, de acordo com ele. Será só mais um ato e vai quem estiver de folga.
Nem grupos que têm convocado policiais abertamente para o ato acreditam em risco de insubordinação. “A PM de SP é muito legalista, muito disciplinada”, diz o tenente da reserva Paulo Roberto Torres, líder de um movimento chamado CEPM (Comissão de Estudos de Assuntos de Interesse dos PMs de SP).
Ele acha que “tem que tirar os 11 [ministros do STF] de carreira, de maneira legal”, e que “a tropa agora está ainda mais descontente com o PDSB”, mas diz que “ninguém é revolucionário”. Torres tem feito a articulação com empresários que estão organizando ônibus do interior para a capital paulista no dia 7.
Um outro grupo intitulado AmeBrasil (Associação Nacional dos Militares Estaduais), que reúne 18 entidades, lançou uma nota dizendo que “as polícias militares não podem ser empregadas de forma disfuncional por nenhum governador, pois são instituições de Estado e não de governo”, sem citar o presidente.
Todas as associações ouvidas indicam que a adesão de policiais ao protesto bolsonarista deve ser forte, como já é há alguns anos.
Um estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública -que analisou 879 perfis de profissionais de segurança e 3 milhões de comentários nas redes sociais em julho do ano passado- mostrou que 37% dos PMs interagiram em ambientes bolsonaristas radicais ou não, bem mais do que policiais civis e federais.
Há uma maior preocupação quanto aos atos em estados comandados por opositores de Bolsonaro, sobretudo aqueles com histórico de motins e casos de indisciplina, como Bahia e Ceará. Nesses locais, as associações defendem a liberdade de se manifestar dos policiais, mas também minimizam a possibilidade de distúrbios e descartam rupturas.
“Isso é história da carochinha, não vai acontecer”, diz o sargento reformado Pedro Queiroz, que é vice-presidente da Anaspra (Associação Nacional de Praças) e presidente da Aspramece (que representa praças cearenses).
“Mas se o policial não usar a estrutura estatal, não estiver uniformizado, não disser que é coronel, soldado ou sargento, ele tem o direito de se manifestar como pessoa física. Sou obrigado a dar um nó na minha língua porque sou militar?”, questiona.
Segundo as associações, a Constituição proíbe a filiação partidária e organização sindical de militares da ativa, porém o veto não se estende às manifestações de pensamento, desde que não se use a imagem das corporações.
O deputado estadual Soldado Prisco (PSC), líder dos motins da PM da Bahia de 2012 e 2014, vai na mesma linha: “Não vejo nada de anormal em policiais participarem de uma manifestação legal, pacífica e ordeira”, afirma ele, que é ligado à Aspra (associação baiana de policiais, bombeiros e familiares).
A Bahia passou por insurgências policiais em 2001, 2012 e 2014. Em 2019, houve uma nova tentativa de paralisação, mas o governo do estado conseguiu neutralizá-la. O cenário de tensão ganhou mais corpo desde março, com a morte do soldado Wesley Soares.
Ele foi baleado após passar cerca de quatro horas dando tiros para o alto e gritando palavras de ordem em Salvador. Na época, policiais cogitaram um novo motim, mas o governo da Bahia encarou o ato como uma tentativa interna de bolsonaristas.
Desde então, o clima de tensão não arrefeceu. O governador Rui Costa (PT) exonerou, por exemplo, um coronel por postagens sobre a operação com 28 mortos no Jacarezinho, no Rio. Ainda assim, ele tem tentado se aproximar da tropa, com o anúncio de benefícios e obras em batalhões e colégios militares.
No Ceará, a relação entre policiais e governo também permanece tensa desde o motim no início de 2020, no qual o senador Cid Gomes (PDT) foi baleado. Camilo Santana (PT) tem atuado para punir os policiais que o lideraram e demitiu um deles, que publicou ofensas ao governador.
A Assembleia Legislativa também instalou uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar o destino dos recursos recebidos pelas associações ligadas à PM e ao Corpo de Bombeiros, e a Justiça recebeu uma denúncia do Ministério Público contra seis agentes.