Em queda desde 2019, quando o presidente Jair Bolsonaro (PL) assumiu o cargo, as prisões por corrupção realizadas pela Polícia Federal chegaram, em 2021, ao menor patamar dos últimos 14 anos. Foram 143 prisões entre janeiro e setembro, uma redução de 44% em comparação ao mesmo período de 2020. A PF não informou dados estatísticos dos últimos três meses de 2021.
Os números foram obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) pela agência Fiquem Sabendo, especializada na obtenção de dados de órgãos públicos, junto à Coordenação de Repressão à Corrupção (CRC) da Polícia Federal. O levantamento considera todas as prisões – preventivas, temporárias e flagrantes – feitas a partir de inquéritos conduzidos pela CRC desde 2008, quando os números passaram a ser consolidados internamente.
A unidade tem competência para investigar, além dos crimes de corrupção, delitos como peculato, organização criminosa, fraude à licitação, tráfico de influência e outros. Também tem sob seu guarda-chuva o Serviço de Inquéritos Especiais, um dos setores mais sensíveis da corporação, que cuida de investigações contra políticos e autoridades com foro no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Desde 2020, a PF baixou uma diretriz que deu autonomia para todos os braços tocarem investigações que envolvam indícios de corrupção, sem necessidade de remeter os inquéritos a delegacias especializadas. Na prática, a norma abriu caminho para descentralizar as apurações. É o caso, por exemplo, dos inquéritos sobre fraudes no auxílio emergencial, que explodiram nos dois últimos anos de pandemia. Eles ficaram a cargo da área Fazendária e não da Coordenação de Repressão à Corrupção.
As prisões por corrupção decretadas em apurações conduzidas fora da CRC não estão contabilizadas no levantamento agência Fiquem Sabendo. Isso porque a PF não organiza os dados estatísticos de detenções por tipo penal específico e sim por setor.
Investigado sob suspeita de tentar interferir politicamente na Polícia Federal, Bolsonaro trocou o chefe da corporação em abril do ano passado. Ao assumir o cargo, Paulo Maiurino promoveu uma série de mudanças na cúpula da instituição. A reforma para montar sua equipe alcançou a Coordenadoria-Geral de Repressão à Corrupção: o delegado Isalino Giacomet foi escalado para substituir Thiago Delabary, que participou de apurações importantes, incluindo a que pegou o ex-presidente Michel Temer (MDB) na esteira da Lava Jato. O inquérito contra o emedebista acabou arquivado.
As prisões por corrupção vêm caindo desde 2019. Considerando apenas os meses de janeiro a setembro de cada ano para efeito de comparação, já que a Polícia Federal não informou as estatísticas dos últimos três meses de 2021, foram 327 prisões no período em 2019. No ano inteiro, o número foi de 464 presos. Em 2020, o total entre janeiro e setembro baixou para 256 e, considerando os 12 meses, houve 381 prisões.
Na lanterna, o ano de 2021 coincide com o esvaziamento da Lava Jato, até sua extinção total. O procurador-geral da República, Augusto Aras, encerrou o trabalho das forças-tarefas em um esforço de remodelação do Ministério Público Federal (MPF). Os grupos mobilizados no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Paraná, berço da operação, nasceram de uma iniciativa conjunta do próprio MPF e da Polícia Federal, em um trabalho que se estendeu por mais de 80 fases.
No auge da operação, em 2016, quando a Polícia Federal deflagrou mais de 15 etapas ostensivas derivadas diretamente da Lava Jato, 59 pessoas foram presas por corrupção ou crimes relacionados só nessas ações. O ano conserva a segunda posição na série histórica com 367 prisões entre janeiro e setembro e 525 no total, atrás apenas de 2018, que contabiliza 422 presos no intervalo e 653 prisões no ano.
As prisões solicitadas pela Polícia Federal dependem de autorização judicial, de modo que não é possível atribuir a queda nas detenções, única e diretamente, a uma eventual diminuição no volume de pedidos formalizados pela corporação. Isso porque o Judiciário é um dos filtros para a expedição dos mandados. Cabe ao magistrado responsável por acompanhar o inquérito decidir se autoriza ou não a prisão dos investigados. Em março de 2020, quando estourava a pandemia, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) expediu uma recomendação que fixou a ‘máxima excepcionalidade de novas ordens de prisão preventiva’ como medida para evitar a disseminação da covid-19.
Ao Estadão, o delegado federal Luiz Flávio Zampronha, que comanda a Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado (Dicor), setor ao qual a Coordenação de Repressão à Corrupção está subordinada, afirma que a queda no número de prisões não é indicativo de encolhimento nos esforços de combate à corrupção.
“A prisão não é um elemento indicativo de eficácia ou eficiência na produção de provas. Ela tem mais relação com a própria aplicação da pena e punição, o que está a cargo do Poder Judiciário, porque o nosso papel não é punir. Pena é uma punição ou uma prevenção para evitar a continuidade de um crime. Nós temos alguns tipos penais em que é mais fácil justificar o pedido de prisão, por conta da gravidade. É o caso da pornografia infantil, de um abusador que precisa ser tirado de circulação, por exemplo. Para a corrupção, é mais [importante] a produção de prova”, defende.
Em 2021, a Polícia Federal abriu 539 operações contra a corrupção, o maior volume dos últimos quatro anos. Em 2020, foram 654 ações; em 2019, 535 operações; e, em 2018, 392 ações.
“Não houve, nos últimos anos, uma diminuição no número de operações, uma diminuição na atuação da Polícia Federal no combate à corrupção. E, muito menos, houve uma orientação para os delegados não pedirem prisões. Isso não tem como. Cada delegado tem autonomia para, se tiver elementos, pedir a prisão”, segue o delegado. “Não existe nenhum tipo de desmobilização da área de combate à corrupção. Pelo contrário, a gente trouxe mais efetivo e está estruturando as delegacias especializadas.”
Entre outros fatores, Zampronha atribui a retração nas prisões ao que avalia como uma mudança recente na metodologia das operações. Segundo o delegado, responsável por liderar as investigações do mensalão e da Operação Spoofing, a cronologia dos inquéritos tem sido alterada pela tecnologia. Ele explica que as etapas ostensivas vêm sendo abertas mais cedo, em um estágio em que dificilmente há elementos para pedir a prisão dos investigados. O objetivo é garantir acesso a conversas criptografadas nos aplicativos de mensagem, que só podem ser obtidas com a apreensão dos celulares.
“Até um tempo atrás, as deflagrações ficavam mais pro final da investigação. Você apurava, levantava provas e, no final, pedia busca e apreensão e a prisão. Hoje em dia, com os aplicativos de mensagem, a gente antecipa as buscas para ter acesso ao celular e às mensagens, mas nesta etapa ainda não há elementos de prova para pedir a prisão. Em alguns casos, a gente antecipa a operação para buscar acesso aos aparelhos e depois relata o inquérito com base no que foi produzido, sem pedir a prisão. Os requisitos para abertura da operação são diferentes dos requisitos para pedir a prisão de um investigado”, explica.