SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Porta-voz de uma das principais consultorias de análises de risco do mundo, Christopher Garman, 51, tem levado a seus clientes uma avaliação menos alarmista sobre a possibilidade de uma ruptura institucional no Brasil, mas feito alertas pouco otimistas sobre a situação econômica.
“No fundo, um quadro institucional tão robusto é que gera tanto ruído assim”, diz à Folha de S.Paulo o cientista político e diretor para as Américas na Eurasia Group, ao comentar a escalada autoritária do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a guerra declarada por ele a outros Poderes.
“Em países onde as instituições não são tão fortes, não se gera ruído, e isso é ruim”, afirma ele, minimizando o receio corrente de que os atos bolsonaristas de 7 de Setembro deem vazão a tendências golpistas do mandatário.
Para Garman, Bolsonaro ainda tem chance de se fortalecer para as eleições de 2022, mas depende fundamentalmente de elementos que podem afetar neste ano sua popularidade para cima ou para baixo, como a criação do Auxílio Brasil e a iminente crise energética.
Cético quanto à possibilidade de uma terceira via competitiva, o analista diz que “importa menos o nome” para uma candidatura alternativa e mais um espaço político para que o projeto decole -o que hoje, avalia, não existe.
PERGUNTA – Como alguém que analisa o Brasil há 20 anos, o sr. considera o cenário atual atípico? CHRISTOPHER GARMAN – Certamente, é um momento dramático. As expectativas econômicas estão começando a mudar nas últimas três semanas, e 2022 parece um ano mais difícil hoje do que parecia um mês atrás. Não sei se é [um quadro] tão incomum, porque o Brasil tem lidado com vulnerabilidades macroeconômicas e incertezas do manejo fiscal, de forma crônica, nos últimos cinco a dez anos.
A crise de confiança na economia advém da crise política, atribuída em grande parte ao presidente? A posição belicosa, a retórica do presidente contra o Judiciário e o questionamento sobre a validade do voto eletrônico colocam uma camada de incerteza institucional que exacerba a preocupação do mercado sobre o lado fiscal. Se a gente tivesse só um ruído institucional do presidente, sem o debate do teto de gastos, o mercado não reagiria dessa forma, não.
P. – Vê risco de ruptura institucional?
CG – Acho que esse risco é muito baixo, abaixo de 5%. Até vejo o Brasil como um país com instituições democráticas bem robustas em relação a seus pares na região [da América Latina] e outros mercados emergentes. Até se pode argumentar que temos tanto ruído neste momento precisamente porque as instituições são fortes.
Se você comparar outras lideranças, de direita e de esquerda, com o perfil como o do Bolsonaro, de ser contra o sistema, com [Rodrigo] Duterte, nas Filipinas, [Recep Tayyip] Erdogan, na Turquia, e até mesmo Andrés Manuel López Obrador, no México, diria que eles têm mais controle sobre o sistema político. Com isso, não geram tanto ruído, porque não há tantos freios e contrapesos.
A razão de nós termos no Brasil um debate tão grande é porque o governo não consegue controlar o Judiciário, que é independente, e não tem maioria no Congresso, logo tem que formar maioria. A mídia é autônoma e faz um embate com o governo a despeito de críticas. Temos um sistema federativo altamente descentralizado, em que os governadores de estado não só detêm grande controle das forças de segurança, quanto de atributos de serviços públicos e tributação.
E, entre os militares, acho que há muito incômodo dos generais da ativa de quatro e cinco estrelas em ter a sua reputação fisicamente associada com o governo Bolsonaro. Uma coisa são os generais palacianos, que tomam parte das dores do presidente. Outra coisa é embarcar em uma aventura. Acho muito improvável. Não é um risco relevante que estou colocando para os nossos clientes.
P. – Há algum risco mais grave associado às manifestações de 7 de Setembro?
CG – O momento é altamente polarizado e há uma briga institucional ferrenha entre o Executivo e o Supremo. O presidente foi eleito em parte como fruto desse ambiente de desconfiança das instituições perante a opinião pública. Ele alimenta essa briga, questiona as regras do jogo. Em um ambiente tão polarizado como este, existe risco de violência, sim, mas eu não acho que chegará ao ponto de representar um risco de ruptura institucional ou democrática. Nenhum lado tem capacidade de se sobrepor ao outro.
Acho que vivemos um momento crônico em que a percepção de quebra institucional vai sempre estar maior do que ela de fato é. No fundo, um quadro institucional tão robusto é que gera tanto ruído assim. Em países onde as instituições não são tão fortes, não se gera ruído, e isso é ruim. Significa que um lado está dominando o outro.
P. – O sr. tem dito que Bolsonaro pode recuperar a popularidade e as chances eleitorais em 2022 se forem bem-sucedidos o Auxílio Brasil e a reforma do Imposto de Renda, duas pautas que travaram no Congresso. Mantém a avaliação?
CG – O mau manejo da crise sanitária é a principal razão que levou à queda de aprovação do presidente ao longo do último ano. Pelo meu raciocínio, com o fim da pandemia, daqui a seis meses, a retomada da economia tende a levantar a taxa de aprovação do presidente.
E o que adicionaria [popularidade] seria o novo Bolsa Família de um lado e a tabela do IR de outro. Hoje o caminho para a recuperação do presidente parece mais difícil do que três ou quatro semanas atrás. Mas o que está realmente prejudicando o governo é o cenário de menor crescimento somado à inflação em alta. E crise hídrica também é motivo de enorme preocupação.
P. – Mas é possível falar em controle da pandemia nos próximos seis meses?
CG – É claro que a variante delta ainda é um grande ponto de interrogação, mas eu diria que a barra para implementar restrições e lockdowns é alta. Se o padrão hoje está mostrando que as taxas de hospitalização e morte estão bem baixas, acho difícil que o Brasil tenha uma nova onda de restrições de mobilidade.
P. – da terceira via dizem que um derretimento maior de Bolsonaro favoreceria um candidato alternativo a ele e a Lula. Quais são as chances?
CG – Um mês atrás, eu daria 10% de probabilidade para a chance de um candidato de terceira via chegar ao segundo turno. Achava muito difícil perante o ex-presidente Lula, com uma base consolidada na esquerda, e um presidente [Bolsonaro] com perspectivas de se recuperar. Aí é muito difícil haver um espaço. Hoje eu colocaria a probabilidade em 20%.
Ainda temos um presidente com vantagens e que acho que deve ter alguma recuperação. Ele perdeu o favoritismo, mas ainda tem alta probabilidade de chegar ao segundo turno, porque possui uma base de 25% [do eleitorado].
Vê possibilidade de haver um candidato de terceira via que una forças e partidos? Ele já surgiu? Não, não tem. Muita gente está focada na capacidade de união de forças e em um nome bom. Acho que o mais importante é ter espaço para um candidato de terceira via. Importa menos o nome. Tudo vai depender do índice de aprovação do presidente. Se ele cair um pouquinho mais e não recuperar nada, aí o espaço começa a se abrir.
O nome pode ser Ciro Gomes (PDT), que foi o terceiro colocado em 2018? Acho difícil, porque ele ainda tem uma associação com um eleitorado mais de esquerda, e o Lula toma esse espaço. Difícil ele herdar eleitores que votaram no Bolsonaro.
P. – Qual é a impressão dos clientes da consultoria em relação a uma possível volta de Lula? Querem ouvi-lo? Há preconceito?
CG – O mercado sempre está aberto a conversar. A grande preocupação está no lado fiscal. A principal âncora fiscal hoje é o teto de gastos, e o ex-presidente Lula e a cúpula do PT têm um consenso de que esse teto tem que acabar e de que precisamos aumentar gastos para ampliar o crescimento.
A mensagem que os investidores recebem é que será um governo que vai aumentar gastos e tributos, em um contexto em que a carga tributária já está muito elevada. Isso preocupa e gera muita inquietação. Acho que, se ele for eleito, não vai ser totalmente irresponsável, de populismo da esquerda, radical. O ex-presidente Lula tem um DNA pragmático. Sempre foi pragmático, como liderança sindical e no governo.
P. – Dá para cravar um percentual de chance de Lula vencer?
CG – Diria que, em um segundo turno entre Bolsonaro e Lula, Lula teria ligeira vantagem, hoje. Mas é muito cedo.
O que estamos falando é que o perfil da recuperação da economia é que vai pautar esse resultado. Se o cenário econômico ficar pior do que o projetado pelo mercado, com inflação disparada e uma crise hídrica mais grave, tudo isso pode levar a uma queda maior de aprovação do presidente.
P. – Impeachment tem chance de passar?
CG – É muito difícil impichar um presidente com uma taxa de ótimo/bom na casa de 23%, 25%. Ele tem uma base orgânica na sociedade. E deputados vão ficar com receio de impichar um presidente que ainda possui uma taxa de apoio considerável. Estamos a praticamente um ano da eleição e o presidente está bem mais forte do que os dois últimos presidentes que sofreram impeachment [Fernando Collor e Dilma Rousseff].
P. – Suas avaliações podem soar otimistas em um momento em que outros analistas e o meio político apontam cenários mais catastróficos. Como responde ao questionamento de que vocaliza uma visão do mercado financeiro?
CG – Nossa empresa de consultoria sobrevive por acertar o cenário mais do que errar. Nossa credibilidade deriva exclusivamente de ter um diagnóstico do cenário preciso, isento e sem viés. Os clientes não querem uma defesa do setor, querem um diagnóstico para saber o que vai acontecer.
No passado, já fomos acusados de ser petistas, quando apostamos em uma reeleição da presidente Dilma Rousseff em 2014, a partir da leitura das pesquisas eleitorais. Quando colocamos uma probabilidade mais elevada de impeachment mais cedo do que outras consultorias, aí disseram que tínhamos um viés mais conservador.
RAIO-X
Christopher Garman, 51
Com cidadania brasileira e americana, é mestre em ciência política pela Universidade da Califórnia e bacharel pela Grinnell College. Atua como diretor-executivo para as Américas na Eurasia Group (empresa de consultoria e análise de risco). Antes, foi analista político sênior da Tendências Consultoria Integrada. Pesquisa temas relacionados à gestão macroeconômica e seus impactos políticos em mercados emergentes, além de possuir estudos comparativos sobre eleições com foco na América Latina