O Tribunal de Justiça do Rio aceitou o pedido do Ministério Público e rejeitou nesta segunda-feira, 16, a denúncia por peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro oferecida contra o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no inquérito das rachadinhas (desvio de salário de assessores). Com a decisão do tribunal, o MP diz que poderá recomeçar as investigações sobre o caso, com a coleta de novas provas, com base no primeiro relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).
O documento do Coaf apontou movimentação atípica de R$ 1,2 milhão em uma conta no nome de um ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz, entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. O documento levou o MP do Rio a abrir a investigação e foi revelado pelo Estadão.
A decisão do tribunal de rejeitar a acusação foi tomada após o próprio MP fluminense solicitar a anulação da denúncia. A Promotoria decidiu pedir a nulidade da peça acusatória que apresentara à Justiça após decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de anular provas colhidas durante as investigações.
A advogada Luciana Pires, que representa o senador Flávio Bolsonaro, diz em nota que a defesa entende que “o caso está enterrado”.
“O STJ já havia anulado todas as provas. A defesa entende que o caso está enterrado, e caso haja qualquer desdobramento serão tomadas as medidas judiciais cabíveis”, diz Luciana.
Nova denúncia
O procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano Mattos, comunicou ao TJ que, com a anulação de quase todas as provas obtidas na investigação pelo STJ e pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a denúncia ficou insustentável. Segundo Mattos, que assinou a petição ao Órgão Especial do TJ-RJ, o pedido tem como um dos motivos a anulação das provas que embasam a atual denúncia. A medida foi tomada pela 5ª Turma do STJ. O procurador salienta, no entanto, que não há eventual prejuízo ao “reinício das investigações”.
Na petição ao TJ-RJ, o procurador-geral de Justiça afirmou que “não há óbice legal à renovação das investigações, inclusive no que diz respeito à geração de novos RIFs, de novo requerimento de afastamento do sigilo fiscal e bancário dos alvos”.
A decisão de pedir a nulidade do processo foi tomada após o STJ aceitar, por quatro votos a um, pedido feito pela defesa de Flávio para anular as decisões tomadas pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, no caso das “rachadinhas”.
Entre as provas utilizadas para embasar a denúncia do MP-RJ, estão a quebra de sigilo fiscal e bancário do filho do presidente Jair Bolsonaro, buscas e apreensões e as prisões de Fabrício Queiroz, apontado como operador financeiro do esquema, e da mulher, Márcia de Oliveira Aguiar. A decisão do STJ esvaziou a denúncia, oferecida em outubro de 2020 ao Órgão Especial do TJ do Rio.
De acordo com a maioria dos ministros do STJ, um juiz de primeira instância não era competente para julgar o caso de Flávio, uma vez que ele mantinha o foro privilegiado ao deixar o cargo de deputado estadual para assumir o cargo de senador após as eleições de 2018.
O MP do Rio recorreu no fim do ano passado ao STF para que fosse declarada a inexistência de foro para Flávio, filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro, durante o período da denúncia e para que o caso voltasse para a primeira instância. O Supremo, no entanto, manteve, por três votos a um, o foro privilegiado do senador e anulou provas da investigação.
O caso, no entanto, não retorna à estaca zero. A 5ª Turma manteve na investigação os relatórios de inteligência financeira elaborados pelo Coaf. Com a decisão do Órgão Especial, os promotores poderão pedir novas quebras de sigilo com base nos dados de movimentações atípicas indicadas pelo Coaf.
Os documentos revelaram, por exemplo, 48 depósitos de R$ 2 mil em espécie na conta do senador, efetuados em postos de autoatendimento da agência bancária que fica na antiga sede da Alerj, e a movimentação suspeita de R$ 1,2 milhão por Queiroz.
Na denúncia anulada pelo TJ nesta segunda-feira, Flávio, Queiroz e mais 15 pessoas foram acusados dos crimes de organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita pelo então procurador-geral, Eduardo Gussem. O senador é apontado como o líder da organização criminosa e Queiroz, como o operador do esquema.
Conta de Queiroz
Uma das transações na conta de Queiroz citadas no relatório do Coaf é um cheque de R$ 24 mil destinado à primeira-dama Michelle Bolsonaro.
“Dentre eles constam como favorecidos a ex-secretária parlamentar e atual esposa de pessoa com foro por prerrogativa de função – Michelle de Paula Firmo Reinaldo Bolsonaro, no valor de R$ 24 mil”, diz o documento do Coaf.
Ao longo de um ano, o Coaf encontrou ainda cerca de R$ 320 mil em saque na conta mantida pelo motorista do filho de Bolsonaro. Desse total, R$159 mil foram sacados numa agência bancária no Palácio Tiradentes, antiga sede da Alerj, na Praça Quinze, no centro do Rio.
Os técnicos do órgão também receberam informações sobre transações consideradas pelo órgão como suspeitas após janeiro de 2017. Segundo o Coaf, entre fevereiro e abril do ano passado, o banco informou a ocorrência de dez transações “fracionadas” no valor total de R$ 49 mil que poderiam configurar uma “possível tentativa de burla aos controles”.