SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após três anos falando em fraudes nas eleições e mais de um ano depois de dizer que poderia comprovar as acusações, Bolsonaro voltou atrás e admitiu que não tinha nenhuma prova, só indícios.
A reportagem consultou especialistas em áreas como economia, estatística e física, e todos foram categóricos em afirmar que as suposições levantadas por Bolsonaro sobre a apuração ter variado não fazem sentido.
Na live, Bolsonaro colocou sob suspeita os resultados da apuração de três pleitos. Um deles, do 2º turno de 2014, entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB). Para ele, a queda de Aécio, que nos primeiros minutos da apuração tinha 67,7% dos votos, só pode ser explicada por fraude. Ele terminou com 48,36%.
Bolsonaro usou também a variação de seus percentuais durante a apuração do 1º turno em 2018 como indicativo de fraude. Ele chegou a ter 49% dos votos quando as parciais começaram a ser divulgadas, por volta das 19h. Ele terminou com 46,03% dos votos.
Já no 1º turno da disputa para a Prefeitura de São Paulo, em 2020, ele considera indicativo de fraude que os percentuais de cada candidato durante o início da apuração eram praticamente os mesmos que os resultados finais.
Claudia Eirado, doutoranda em economia e mestre em estatística e probabilidade pela UnB (Universidade de Brasília), dá um exemplo de como retratos da apuração não representam o total da amostra.
Ela pede para se considerar um saco com 100 bolas, sendo metade (50%) das bolas verdes e a outra metade vermelha. Se uma pessoa tirar dez bolas do saco e, dessa amostra, seis bolas (60%) forem verdes e quatro (40%) vermelhas, explica que não é possível dizer que 60% das bolas do grupo total são verdes.
“Não se pode inferir, a partir da primeira amostra, que existem 60 bolas verdes e 40 bolas vermelhas. Esse raciocínio é falso”, diz. “Um candidato sair na frente não significa que o resultado está consolidado. Se fosse assim, nem seria necessário apurar todos os votos.”
A variação nesses percentuais ao longo da apuração não indica fraudes ou irregularidades e ocorre principalmente pela variação no fluxo de envio de dados –o Brasil é um país continental– e também pela diversidade de perfil de votação nas regiões do país.
Manoel Galdino, cientista de dados com formação em economia e doutorado em ciência política pela USP, explica que Bolsonaro desconsidera o contexto e os demais dados para fortalecer sua narrativa.
“Se você já tem uma teoria em que acredita e a única coisa que quer é procurar na realidade fatos que pareçam corroborar a teoria, você vai achar”, afirma. “Mas não é assim que se testa uma teoria. Você faz um teste em que aleatoriza, faz uma análise rigorosa dos dados e vai ver que não funciona.”
“Ele pega, por exemplo, o momento em que ele [Bolsonaro] está na frente e que o Sudeste tem pouco mais de 10% dos votos [apurados], mas por que ele não pegou o momento quando tinha 20% das urnas apuradas ou 1% das urnas apuradas, em que o Haddad estaria um pouquinho à frente?”.
De acordo com o estatístico Gauss Cordeiro, professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), a variação da apuração oscila não só a depender de quão acirrada é a disputa, mas também a depender das diferenças entre regiões.