SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As cenas se repetem em relatos de deputados federais: o Governo de São Paulo procura o parlamentar e oferece uma determinada quantia de verba estadual para ser aplicada em municípios indicados pelo político.
Embora a maioria dessas tratativas tenha sido feita com secretários de governo, ao menos dois deputados dizem que o encontro aconteceu no Palácio dos Bandeirantes em almoços ou jantares a convite de João Doria (PSDB), que deseja disputar as eleições presidenciais do ano que vem.
A gestão tucana não pede nada em troca, segundo os deputados, mas a verba ajuda a assegurar uma boa relação com o governo estadual, mesmo em partidos de oposição.
Até o final do mês passado, dos 70 deputados federais paulistas, 34 tiveram verbas colocadas à disposição cerca de R$ 10 milhões para cada um deles, na maioria dos casos.
São repasses de recursos públicos para atender às chamadas “demandas parlamentares”, que, na prática, funcionam como emendas ao Orçamento e, portanto, também são chamadas informalmente de “emenda voluntária” ou “extraorçamentária”.
Como a Folha de S.Paulo revelou na segunda-feira (16), Doria multiplicou, sem transparência, a liberação desses recursos políticos, distribuídos majoritariamente a deputados de partidos aliados e, em menor escala, a alguns nomes de oposição.
Até julho, a verba liberada em 2021 soma R$ 1,05 bilhão contra R$ 182,9 milhões em 2020.
Em busca de viabilizar sua candidatura à Presidência em 2022, Doria turbinou os recursos para deputados federais de 16 partidos. Seu vice, Rodrigo Garcia (PSDB), também trabalha para uma eventual candidatura ao Governo de São Paulo.
Os repasses acontecem no momento em que Doria precisa conquistar o apoio da bancada federal tucana nas prévias do PSDB para a escolha do candidato do partido ao Planalto. No total, seis deputados federais do PSDB foram contemplados.
A ampliação dos repasses é vista por alguns políticos como uma forma de cooptação eleitoreira, com o objetivo de consolidar uma base política e prospectar uma aliança partidária para o ano que vem algo que aliados de Doria negam.
Os 34 representantes da Câmara dos Deputados tiveram cerca de R$ 301 milhões em recursos paulistas liberados a municípios e outras entidades para custeio, obras ou outros tipos de benefícios.
A verba é paga diretamente para o fundo de prefeituras contempladas ou é paga via convênio com esses municípios ou entidades algumas secretarias exigem um projeto mais detalhado do uso da verba para quitá-la.
O valor liberado por Doria neste ano supera em mais de 120 vezes o que foi colocado à disposição dos deputados federais no ano passado R$ 2,5 milhões para seis parlamentares.
Os dados sobre demandas parlamentares, apesar de envolverem verba pública, não são divulgados pela gestão Doria. A Folha de S.paulo fez sete pedidos por meio da Lei de Acesso à Informação. Todos negados.
A gestão apenas autorizou que, em uma sala do Palácio dos Bandeirantes, a Folha olhasse cerca de 5.300 folhas de papel com informações sobre os repasses. A reportagem fez foto de cada uma delas e depois planilhou os dados digitalmente para completar o levantamento.
A reportagem encontrou 26 deputados que tiveram exatamente R$ 10 milhões liberados para suas bases eleitorais. Os valores fechados indicam que o governo acertou um pacote com os parlamentares, o que foi confirmado por alguns deles.
O parlamentar que teve maior montante liberado foi Geninho Zuliani (DEM-SP), aliado de longa data de Garcia, o vice de Doria. Ele pôde indicar R$ 11,47 milhões.
Ele diz que o valor a mais foi por ter trazido recursos de emendas federais ao estado e que suas demandas vão ao encontro de políticas públicas de impacto social.
“Tive do governo do estado os mesmos R$ 10 milhões que outros tantos deputados tiveram. O restante é proveniente de emendas federais, de Brasília, que eu trouxe para São Paulo”, afirmou.
Os partidos cujos parlamentares tiveram demandas liberadas foram, do maior montante para o menor: PSDB, PSL, PL, DEM, Republicanos, MDB, PSB, Podemos, Cidadania, PP, SD, PSD, PSC, PC do B, PV e PT.
Há dois deputados de oposição à esquerda na lista de beneficiados, Orlando Silva (PC do B-SP), com R$ 10 milhões, e Alexandre Padilha (PT-SP), com R$ 5 milhões. A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) foi contemplada com R$ 10 milhões.
Deputados federais paulistas que são presidentes de partidos também tiveram repasses liberados por Doria Baleia Rossi (MDB, R$ 11 milhões); Renata Abreu (Podemos, R$ 10 milhões); Paulinho da Força (Solidariedade; R$ 10 milhões) e Marcos Pereira (Republicanos, R$ 10 milhões).
As negociações com os deputados federais, segundo parlamentares, acontecem principalmente com o secretário do Escritório de Representação do Estado de SP em Brasília, Antonio Imbassahy.
Também costumam participar os secretários tucanos Cauê Macris (Casa Civil) e Marco Vinholi (Desenvolvimento Regional), que é presidente do PSDB-SP.
“O Imbassahy me procurou, dizendo que o governador ia voltar a trazer alguns recursos para os deputados federais, porque tinha parado um tempo. Perguntou se eu tinha algumas cidades que queria contemplar”, diz Paulinho da Força.
Ele afirma, porém, que apesar de autorizado, o dinheiro ainda não foi pago em parte das cidades.
O deputado Ricardo Izar, que é do PP, partido aliado da base de Jair Bolsonaro, disse que se reuniu presencialmente com Doria e que o governador ofertou R$ 5 milhões para ele indicar a municípios também afirmou, após o contato da reportagem, que está chateado com o governo porque outros parlamentares conseguiram o dobro.
Embora deputados aliados de Doria afirmem que governos anteriores ou de outros estados costumam atender pleitos de parlamentares federais, relatos de diversos políticos e até de ex-membros dos governos José Serra e Geraldo Alckmin (ambos do PSDB) dão conta de que o montante disponibilizado desta vez é inédito.
Enquanto as emendas impositivas devem ser pagas obrigatoriamente a todos os deputados estaduais, as demandas parlamentares, que alcançaram também os federais, são distribuídas conforme a conveniência do tucano.
Nesse processo, os aliados direcionam a verba para suas bases políticas em busca de reeleição.
Nos bastidores, deputados observam que o montante liberado por Doria chega a competir com as verbas federais de Bolsonaro. A rivalidade política entre o governador e o presidente é conhecida.
Os R$ 301 milhões liberados superam o valor da emenda de bancada de São Paulo do Orçamento federal, de R$ 241 milhões para 2021. Esse valor é destinado por todos os parlamentares do estado, e é impositivo de pagamento obrigatório.
No entanto, na esfera federal, além da emenda de bancada, cada um deles ainda recebe mais R$ 16 milhões em emendas individuais, também impositivas, e há ainda as chamadas “emendas de relator”, tema de uma recente série de reportagens do jornal O Estado de S.Paulo.
Ainda que os recursos de Doria sejam menores que os da gestão federal, a ideia é que os valores consigam alavancar a popularidade do tucano e dos aliados nas cidades beneficiadas.
O deputado Junior Bozzella (PSL-SP), que teve R$ 10 milhões liberados, diz que o efeito eleitoral positivo é consequência das entregas. “É uma ordem de recursos que eu nunca tinha visto antes e que vai melhorar a vida do povo. Sou simpático a essas ações. A eleição é consequência do bom governo”, afirma.
À esquerda, Orlando Silva afirma que sempre faz demandas ao governo, não só para os municípios, como para entidades, mas nega ter negociado um valor fechado. “Fico feliz de o governo do estado atender as demandas que a gente encaminha.”
O petista Alexandre Padilha, que é ex-ministro da Saúde, afirma que tem mantido boas relações com o governo de São Paulo durante a pandemia.
Ele diz que encaminhou emendas federais a entidades do estado, particularmente na área da saúde. Em contrapartida, foram liberados recursos do estado para prefeituras, a seu pedido.
Caciques de partidos ouvidos pela Folha afirmam que as emendas melhoram as relações políticas de Doria, mas talvez não sejam suficientes para atrair siglas para eventual coligação. Em São Paulo, legendas que estão fechadas com Bolsonaro, como PP, PL e Republicanos, compõem a base do tucano.
Baleia Rossi nega haver acordos eleitorais na distribuição de demandas. Em São Paulo, o MDB deve apoiar a campanha de Garcia.
“Todas as demandas que levo ao governo são de vereadores, prefeitos, Santas Casas. É meu papel. São pedidos legítimos de municípios. Tenho muitas outras demandas não atendidas.”
Deputados da base de Doria dizem que os repasses maiores em 2021 se devem a maior arrecadação e que as demandas pagas são as que cabem no Orçamento e atendem a programas do estado.
“Eu fui [atendido] porque os projetos são bons. São projetos que podem ajudar e muito não só o governo como o povo. Não tem acerto, aqui ninguém é de acerto. Existe parceria”, afirma Alexandre Frota (PSDB-SP), que teve R$ 10 milhões.
Mara Gabrilli e a deputada Bruna Furlan (PSDB-SP), que recebeu R$ 8,6 milhões, afirmaram ser comum repassar pedidos de políticos locais ao governo Doria e que destinaram seus repasses para a saúde.
Joice Hasselmann (PSL-SP), que indicou R$ 10 milhões, disse não haver acordo, mas uma parceria, devido a sua “excelente relação” com Doria.
GOVERNO DE SP DIZ QUE REPASSES SÃO NECESSÁRIOS EM MEIO À CRISE
Secretário do Escritório de Representação do Estado de SP em Brasília, Antonio Imbassahy, afirmou que a base é mais contemplada que a oposição porque muitas vezes os deputados opositores não têm acesso facilitado ao governo.
“Isso acontece em todo o país e é normal que aconteça. Não tem critério político. O critério de pagamento tem que ser a natureza e o mérito da indicação e o espaço orçamentário.”
O Governo de SP afirma que os investimentos são resultados de ações sociais pós-pandemia e, a respeito da transparência, diz que o andamento de cada solicitação é informado ao solicitante.
Segundo a Casa Civil, a gestão “não pode ser vítima de juízo de valor por iniciativas governamentais para atender as pessoas mais carentes neste momento em que as medidas são necessárias para superar a crise sanitária e econômica”.
“Todos os parlamentares, sejam deputados federais, estaduais, vereadores ou a sociedade civil organizada contribuem com o Governo do estado para identificar as demandas para melhorar a vida das pessoas. E faz isso de maneira isenta para a liberação de recursos, pois as demandas contemplam, inclusive, deputados da oposição.”