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CotidianoChegou o momento de encarar o ninho vazio. E agora, José?

Chegou o momento de encarar o ninho vazio. E agora, José?

Hoje, mulher feita, dá seu primeiro grande passo: saiu de casa para cursar uma faculdade em outra cidade

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Fabiana Guerrelhas, terapeuta analítico-comportamental (Foto: Arquivo Pessoal)

Quando eu soube que estava grávida pela primeira vez, comecei a ter um sonho
frequente, em que eu me olhava por trás, andando de mãos dadas com uma criança bem
pequena. Algum tempo depois, minha filha aprendeu a andar e esse sonho virou realidade.
Passear de mãos dadas com ela era um dos meus programas favoritos. Seus primeiros passinhos
sem apoio aconteceram no dia seguinte à sua festa de um ano. Até conseguir caminhar sozinha
e com a firmeza necessária para dar passos mais largos, sem muito equilíbrio, ela caía de bunda,
de joelhos ou de cara mesmo. 

Os anos passaram e a menina linda, gorducha, de cabelos pretos e encaracolados
cresceu e soltou minhas mãos. Hoje, mulher feita, dá seu primeiro grande passo: saiu de casa
para cursar uma faculdade em outra cidade. Provavelmente, ainda vai cair de cara, de bunda e
ralar os joelhos nos desafios que a vida adulta lhe impuser, mas já está pronta para se levantar,
sacudir a poeira e retomar a caminhada com segurança.  

Meu ninho esvaziou, embora não completamente, já que outra “filhote” ainda mora
nele. Porém, como boa galinha choca, tenho sentido a ausência da primogênita com bastante
intensidade. Os sentimentos vieram de repente, como uma comporta que se abriu, devastando
tudo. Estranhei minha reação, a conta não fechava, já que criar filhas independentes sempre 
foi um alvo importante no meu projeto de maternidade. Não imaginei que iria sofrer tanto, 
mas como todo sentimento é sábio e soberano, me permiti vivenciar o que estava vindo. 
Chorei mesmo, litros! 

Ouvi de algumas pessoas que acompanharam minha situação coisas do tipo; “não fique
assim, ela está bem”; “é tão pertinho, imagina se tivesse mudado de país”; “está feliz, realizando
um sonho numa excelente universidade”; “faz uma chamada de vídeo”. Eu também pensei em
todas essas coisas, mas pensar não diminuiu minha angústia. Primeiras lições do dia: racionalizar
não muda sentimento e coração não tem cabeça. O bom mesmo foi escutar “vem cá, amiga,
pode chorar no meu colo, sei que vai passar, mas também sei que está doendo”. 

Pois é, doeu mesmo. Doeu ver seu guarda-roupas vazio, doeu não ouvir mais seus
barulhinhos quando chegava, ou quando saía. Deu saudade do “mãe, o que tem pra comer?”.
Deu saudade até da bagunça, das gavetas reviradas e da cama por fazer, motivo de discussões
quase diárias. Ela é uma menina calada e, muitas vezes, nem sabíamos se estava ou não em casa.
Agora, percebo como seu silêncio era ruidoso.  

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Esse meu drama, clichê e comum, tem até nome: “síndrome do ninho vazio”. Refere-se
à angústia associada à saída dos filhos da casa dos pais. É um evento passageiro e previsível e,
às vezes, é acompanhado de sintomas depressivos, podendo exigir cuidados médicos e
psicológicos. Além disso, tem sido bastante estudado pelo pessoal da minha área. Numa busca
rápida que fiz nas bases de dados MedLine e PsycINFO apareceram uns trezentos artigos sobre
o tema.  

Ainda encafifada com o tamanho da minha melancolia, nos dias próximos à sua
mudança, senti que o buraco era mais embaixo. Utilizei os recursos analíticos de todas as
psicoterapias que já fiz na vida e entendi que meu mal-estar não era somente por causa da falta
dela, mas estava relacionado à minha maneira de lidar com finais de ciclo e com as mudanças,
de maneira geral. Rompimentos, no meu caso, costumam ser dolorosos e tenho bastante
dificuldade nas separações. Me lembro que, quando criança, grudava nas pernas dos meus pais,
tentando evitar que eles saíssem. Sofri horrores nos meus términos de namoro, me sinto
dilacerada com algumas despedidas e padeço de saudade ao me afastar de pessoas importantes.
Instabilidades são sempre difíceis para mim e levo um tempo para me adaptar a novos
contextos. Valorizo a permanência e sou muito sensível às mudanças, mesmo elas sendo
esperadas e para melhor. Eita mania de querer que tudo dure para sempre! 

A saída de minha primeira filha é a despedida definitiva de sua infância e, agora,
precisarei me identificar com um outro modelo de mãe, menos jovem, com menos poder e com
outro nível de importância em sua vida. Quando ela nasceu, eu aprendi a ser mãe de um bebê
e depois de uma criança. Ainda não sei como será ser mãe de uma pessoa adulta, que tem sua
própria casa e é responsável por suas próprias escolhas. Imagino que vai ser bom, mas ainda é
estranho. E agora, Fabiana? 

Existe uma lenda que diz que o Cartola escreveu “O mundo é um moinho” para sua filha,
quando ela saiu de casa, ainda adolescente. A música é linda, mas descreve um cenário triste e
pessimista. Apesar de ser mais esperançosa que ele, concordo com a parte em que diz: “em
pouco tempo não será mais quem tu és”. Por isso, voe, minha filha, pois você já é uma outra
pessoa, madura e capaz, e, como já lhe disse algumas vezes, reproduzindo a obra da artista
plástica Rita Wainer, que nós gostamos tanto: “Estarei sempre perto”.

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