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CotidianoOs dramas familiares da série This is us e os nossos

Os dramas familiares da série This is us e os nossos

A família Pearson não é nenhuma família Doriana e acho que esse é o principal ingrediente do sucesso da série

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Fabiana Guerrelhas, terapeuta analítico-comportamental (Foto: Arquivo Pessoal)

Escutei “Previously in This is us” (no capítulo anterior de This is Us) 105 vezes.
A série, que começou em 2006 e terminou no mês passado, tem 106 episódios e conta a
vida de Jack e Rebecca Pearson e seus trigêmeos, Randall, Kate e Kevin, nascidos em
1979
. Eu nunca tinha assistido a uma série tão longa, mas me encantei com os dramas,
perrengues e realizações dessa família. Não vou dar muitos “spoilers”, mas já aviso que
dá para rir e chorar de montão. A produção foi bastante premiada e embora seja um
novelão bem pop, é muito bem desenvolvida. As histórias de vida são profundamente
exploradas e as características emocionais dos personagens são justificadas por vivências
de seus antepassados
, do jeitinho que acontece na vida real. Passado, presente e futuro se
intercalam para que possamos entrar em seu universo psicológico durante a infância,
adolescência e vida adulta. As atuações são notáveis e a semelhança entre os atores
mirins, jovens e adultos é impressionante. 

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A família Pearson não é nenhuma família “Doriana” e acho que esse é o principal
ingrediente do sucesso da série
. Eles vivem dramas comuns e problemas difíceis de
encarar, como alcoolismo, dependência química, obesidade mórbida, aborto, racismo,
transtornos psiquiátricos, divórcio, desavenças entre irmãos, relacionamentos tóxicos,
desemprego, alzheimer, problemas financeiros, tragédias, morte precoce e muitos outros.
É fácil se identificar com suas experiências e a todo o momento nos colocamos em seus
lugares e reconhecemos traumas vividos em nossas famílias. Apesar das dificuldades, eles
têm uma forte relação afetiva, que é o que permite que enfrentem todas elas. 

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O seriado é uma boa oportunidade para pensar na vida como ela é e no papel da
família no nosso desenvolvimento. Muito do que aprendemos e da constituição de nossa
personalidade vêm dos nossos modelos familiares. É daí que advêm nossos valores
morais e nossas principais referências. Mas há famílias que são bênçãos e outras que são
maldição. Há famílias que formam pessoas saudáveis e outras que são celeiro de doenças
mentais. Não é por acaso que a psicologia desenvolveu um vasto campo chamado de
Terapia Familiar. A família é uma instituição, uma agência de fomento dos nossos 
comportamentos. Em sua origem, é dirigida por adultos, responsáveis pela formação de
crianças, até que alcancem a maturidade. É o primeiro grupo no qual estamos inseridos e
é o ambiente onde mais interagimos. Cabe aos pais e tutores fornecer condições
apropriadas para o desenvolvimento de habilidades fundamentais, como relacionamento
interpessoal, resolução de problemas, autoconhecimento e manejo de emoções. Nada
disso se aprende sozinho e é preciso empenho de todos os envolvidos. 

Outro dia, passei por uma experiência que me fez avaliar meu próprio projeto de
família. Minhas filhas, meu marido e eu estávamos em viagem e, no meio da estrada, tive
uma crise de enxaqueca insuportável e inédita, à qual me fez parar num pronto-socorro
em outra cidade. A dor era tão forte e o mal-estar tão intenso que pensamos na
possibilidade de ser uma meningite, encefalite, tumor cerebral ou AVC
. Mal conseguia
andar, tive alterações de fala, visão e confusão mental. Precisei mudar de papel, sair da
condição de cuidadora para ser cuidada. Meu marido foi atrás dos trâmites burocráticos,
enquanto as meninas me acompanharam nos procedimentos médicos. Elas ficaram
assustadas, pois nunca tinham me visto em tamanha vulnerabilidade e passando tão mal.
Eu, que nunca fico doente, que sempre cuido de todos e tomo as decisões, tive que me
entregar. Me senti segura, amparada e amada, sentimentos valiosos quando algo não vai
bem. Todos tiveram paciência para esperar minha recuperação e aceitaram, sem dramas,
a interrupção de nosso programa. Foi um momento bem típico do “um por todos e todos
por um”, como muitos vividos pelos Pearson em “This is us”. 

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Todas as famílias têm problemas, desentendimentos e conflitos e é difícil
encontrar alguma que não tenha vivido um grande trauma. Os Pearson passaram por
vários e se mantiveram unidos. O que minha família viveu não foi nada excepcional, mas
foi um pequeno teste, que demonstrou união, afeto e enfrentamento. Em minha casa há
um poster com a frase: “Nesta casa dizemos a verdade, fazemos o nosso melhor, pedimos
desculpas, somos pacientes, nos divertimos, respeitamos o próximo, erramos, perdoamos,
rimos alto, amamos, somos uma família”. Pelo visto, isso não é somente um conjunto de
palavras enfeitando uma parede. 

Espero não passar tão mal novamente, mas caso aconteça, sei que serei amparada,
que faço parte de um grupo que irá me apoiar e que tenho com quem contar. A dor passou,
mas ficou a nobre sensação de pertencimento. 

 
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