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CotidianoPaulo Gustavo deixou a alegria como legado, mas nos faz pensar na morte

Paulo Gustavo deixou a alegria como legado, mas nos faz pensar na morte

Logo após saber da notícia, postei uma foto dele com uns dizeres emocionados; Eu estava muito triste e escrever é uma maneira de me autoconsolar

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Fabiana Guerrelhas, terapeuta analítico-comportamental (Foto: Arquivo Pessoal)

 
Paulo Gustavo, ator e comediante, que morreu de Covid nesta semana no auge da sua
carreira, com 42 anos, era um cara do bem e emanava uma energia super boa. Divertido,
inteligente, hilário e genial, nos fazia rolar de rir e, em muitos momentos, tornava nossa vida
mais leve e alegre. Parecia amado por todos que conviviam com ele e sua partida fez o Brasil
inteiro chorar. Que pena! A primeira coisa que vem à nossa cabeça numa hora dessas é que ele
não merecia, mas se pensarmos bem, morrer, na maior parte das vezes, não é uma questão de
merecimento. 

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Logo após saber da notícia, postei uma foto dele com uns dizeres emocionados. Eu
estava muito triste e escrever é uma maneira de me autoconsolar. Minha postagem foi curtida
por muitos e comentada em tempo “record”. Só dava ele no Instagram, no Facebook e em todas
as emissoras de TV. Arrisco dizer, inclusive, que se tivesse morrido o Pelé, o Roberto Carlos, a
Xuxa ou o Papa, não teria sido assim. Aqui em casa, choramos todos. Meus pacientes dos dias
seguintes usaram seu precioso horário de terapia para partilharem comigo como estavam
vivenciando esse fato. Fiquei muito impressionada com a comoção geral causada por sua morte. 

Comecei a conjecturar sobre os motivos de tamanha repercussão e pensei: será que é
porque ele morreu jovem? Ou por que associamos a ele uma constante alegria e alegria não
combina com morte? Será que é por que ele tinha um marido lindo e dois filhinhos de um ano
e pouco, que não irão crescer na presença do pai? Será que é por que nos sensibilizamos com
sua mãe, Dona Dea, imortalizada na personagem da Dona Hermínia? Será que é por que ele
morreu de Covid? Será que se ele tivesse morrido de qualquer outra coisa, sofreríamos tanto?
Provavelmente, é isso tudo e um pouco mais. 

Perder Paulo Gustavo para essa doença maldita, nos coloca diante da fragilidade do
corpo, independente da classe social e dos recursos financeiros disponíveis, e faz com que
tenhamos que encarar a nossa finitude. O impacto da sua morte nos leva a lidar com as mortes
de cada dia, presentes nos términos de relacionamentos amorosos, nos encerramentos de
ciclos, nas mudanças de fase, nos rompimentos de amizades, nos finais de projetos, nos
fracassos e nas decepções. Passamos a vida buscando ganhar sempre e, também por isso, não
aceitamos facilmente qualquer perda. 

A condição humana nos impõe, necessariamente, a constante possibilidade de
exposição às catástrofes, isto é fato. Mas, vamos combinar, que o momento que a humanidade
está passando nos obriga a pensar na morte ou a viver o luto, o tempo todo, ora porque essa
doença já matou, só no Brasil, quase 500.000 pessoas, ora porque perdemos pessoas próximas
e queridas para a Covid, ora porque temos medo de adoecer e morrer dessa praga. 

Um possível reflexo é nos tornarmos insensíveis à tragédia, nos acostumando, por
exemplo, ao fato de uma única doença estar matando tanta gente, em tão pouco tempo. Outra
possibilidade, em minha opinião, bem mais interessante, consiste em aproveitarmos a
oportunidade para acrescentarmos mais valor à nossa existência. Para isso, precisamos prestar
atenção às nossas emoções, sofrer o luto devidamente e praticar o desapego. Devemos trocar
o medo da morte pelo respeito a ela. 

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Uma maneira de entrar em contato com o assunto, de uma forma menos pesada, pode
ser ler “A morte é um dia que vale a pena viver”, da médica Ana Claudia Quintana Arantes,
“Intermitências da morte”, de José Saramago e “Por um fio”, de Dráuzio Varella, ou, ainda,
assistir aos filmes “PS, eu te amo”, “Antes de partir” e “Beleza oculta”. Um ótimo recurso, é
também, o programa Café filosófico da TV Cultura (fácil de encontrar no Youtube), no qual o
músico e professor de literatura José Miguel Wisnik discute a morte, o luto e as perdas a partir
da dramática canção da Maysa, “Meu mundo caiu”. A música, dessa cantora, que é um ícone da
melancolia, sugere que quando o nosso mundo cai, não temos outra saída além de aprender a
levantar. 

O mundo, aliás, está caindo e perdendo a graça. Ignorar medidas de proteção, não tem
graça; aglomerações, não têm graça; disseminação de fake News e negacionismo, não tem
graça, maluco que entra numa creche matando crianças a facadas, não tem graça; não ter vacina
para todos, não tem graça; morrer de fome, não tem graça; desgoverno, não tem graça. 

Paulo Gustavo usou o humor para falar de amor e sua obra nunca vai perder a graça. No
especial de final de ano da TV Globo, no ano passado, ele se despediu dizendo: “A gente não
vive sem a graça, sem o humor. O humor salva, transforma, alivia, cura, traz esperança pra vida
da gente. Rir é um ato de resistência!”, e, apesar do nosso sorriso estar escondido atrás da
máscara, “ele não vai deixar de existir, a gente não vai deixar de sorrir, não vai deixar de ter
esperança”. 

Ele foi embora muito cedo, mas deixa a alegria como legado. Depois que escrevi esse
texto, tive um sonho muito engraçado e acordei sorrindo. Coisa rara num período de pesadelos
frequentes. Obrigada, Paulo.

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