A vida de Matheus Pereira Rodrigues, de 25 anos, poderia se tornar um livro ou até uma série sobre sobrevivência, superação e resistência. Ele conseguiu dar a volta por cima após mais de 10 anos nas ruas.
Matheus nasceu em Minas Gerais, mas, a família não tinha condições de criá-lo. Aos cinco anos, foi parar em um orfanato em Ribeirão Preto e, assim, começou a sua peregrinação em orfanatos, esquinas e ruas pelo interior paulista.
De fala mansa, ele conta que apanhava muito no orfanato e decidiu, aos seis anos, fugir com os colegas.
“Chega uma hora que você não aguenta mais ficar no orfanato, a família não te visita, não tem Natal”, lembra. “Eu apanhava dos moleques maiores, por isso eu decidi fugir e fui conhecer o mundão de Ribeirão, é feio”, descreve.
Matheus passou a infância vendendo balas e panos de prato nas ruas e quando tinha fome também pedia dinheiro. Por 10 anos, morava onde tivesse um teto para se abrigar, como em casas abandonadas, praças, e até um barracão.
Ele lembra que já passou por várias situações delicadas, mas que também encontrou muita gente que o ajudou.
“Eu ficava nessas casas que encontrava. Algumas tinham como tomar banho, então, ficava lá até o dono aparecer. Alguns entendiam e me deixavam lá, outros chamavam a polícia”, diz. “Já levei vários enquadros violentos, de policial falando que ia tacar fogo, mas não são todos, existem vários tipos de policiais”, pondera.
A RUA NÃO É O MEU LUGAR
Mateus lembra que muitos moradores de rua o protegiam e não entendiam o motivo dele ficar por lá, pois não tinha vício algum.
“Enquanto eu ficava na rua, sempre me respeitaram, não mexiam comigo. Sempre fui humilde, trabalhava vendendo bala, pano de prato, nunca roubei ninguém”, recorda.
Mas nem todos tiveram esta “sorte”. “Éramos todos crianças, todos sumiram, uns pararam no mundo da droga, outros foram presos. Eu estou aqui, nunca fui de beber e usar drogas”, conta.
Ele frisa que embora não tenha convivido muito com a sua mãe na infância, ela o ensinou o que levava pelas ruas: nunca roubar.
“Minha mãe sempre me ensinou a não roubar, e, sim, a pedir, eu ficava em frente ao shopping, restaurante, pedindo, e o que conseguia eu comprava para comer”, comenta.
Quando retornou ao orfanato, aos 16 anos, ele fez teatro e isso o ajudou a vencer a timidez.
“Eu sofri muito e eu tenho trauma de conversar com as pessoas, o que me ajudou foi o teatro. Eu estudei até o 2º colegial também”.
INVISIBILIDADE
Umas das principais dificuldades enfrentadas nos longos anos de rua foi a indiferença das pessoas e a falta de empatia.
“Muita gente não entende o lado da pessoa, a história dela, ninguém conversava com a gente, a maioria xinga. Às vezes, a pessoas quer ter uma mudança de vida mas não tem oportunidade”, comenta.
Matheus conheceu muita gente e até famílias inteiras morando na rua, seja por desemprego, falta de oportunidade ou problemas com drogas.
“Conheci engenheiro, advogado na rua, famílias inteiras na rua. Se não tiver ninguém para ajudar, as pessoas entram em desespero e aí começam a usar drogas, roubar. Quando você já passou por necessidade e já morou na rua você sabe o que acontece com os outros também”, diz.
Aos 16 anos, em uma abordagem policial, ele foi parar na delegacia pois constava no registro que ele estava morto. “Tive que explicar e provar para o delegado que era eu mesmo, assim conseguiram contato com a minha mãe e voltei para o orfanato”, recorda.
Após uma reviravolta em sua vida, ele reencontrou a mãe e se mudou para Araraquara. Mas não conseguiu conviver com o padrasto que era violento e caiu de novo nas ruas da cidade. Por mais dois anos ficou perambulando até encontrar um projeto social, a Geladeira Solidária.
VIDA NOVA
Através da Geladeira Solidária, projeto social iniciado pelo empresário Ednan Dalle Piagge, Mateus finalmente saiu das ruas. Ele ficou em abrigos, hotéis até se estabelecer. Hoje, trabalha e paga aluguel.
“Fiquei uns dois anos nas ruas aqui de Araraquara, até conhecer o projeto do Ednan. Fui o primeiro funcionário da Geladeira Solidária e passei a ajudar outras famílias também com o projeto. De lá para cá, comecei a trabalhar em vários serviços e, hoje, trabalho com instalação de calha”, conta orgulhoso.
Otimista, Mateus sempre acreditou que iria sair das ruas e acredita que muitas vezes apenas uma palavra de afeto muda a vida de uma pessoa.
“Hoje quando vejo uma pessoa na rua, me dá vontade de chorar. Às vezes uma palavra, um abraço transformam o dia dela. É humilhante ter que pedir dinheiro. Às vezes as pessoas não sabem como sair das ruas, por isso, falo para não desistirem dos seus sonhos, que mais para frente será recompensado. Tenha fé em você mesmo que as coisas acontecem”, conclui.