A palavra aborto, na atualidade, é bastante explosiva e carrega consigo inúmeros estigmas. Essa manifestação de ânimos, quase que imediata, ao se tocar no assunto ocorre devido à combinação entre a prática em si, seus respectivos tabus e a reprodução de preconceitos sociais arraigados. Embora o aborto seja uma questão histórica anterior a sociedade moderna, na qual grande parte da população sabe seu significado – interrupção da gravidez antes que ela se complete – sua realização, assim como seus riscos e descriminalização vêm ganhando gradativa visibilidade; esta como resposta as demandas dos movimentos feministas, em companhia de profissionais da saúde, juristas e também parlamentares.
A pauta que se diz tão controversa trata, diretamente, da dignidade humana e do direito à vida, só que neste caso, especialmente relativo à mulher; o que de forma alguma, apesar de envolver o direito sobre o corpo e a liberdade individual, torna a discussão passível de individualismos, visto que, ao falarmos de mulheres, nos referimos diretamente a uma extensa classe social. Dito isso, a amálgama de questões referentes ao aborto torna-se ainda mais complexa, pois trata, simultaneamente, de questões como: as tarefas produtivas e reprodutivas da vida, assim como a construção dos papéis sociais por meio de uma determinada intencionalidade – ou racionalidade – histórico-social.
Apesar do quadro de ilegalidade do aborto, sua realização continua ativa, o que nos leva a dificuldade de apreensão real do fato, visto que boa parte dos casos não podem ser contabilizados. Entretanto, o que se sabe, é que os métodos utilizados para a indução do aborto se demonstram variados e, ainda que majoritariamente sejam utilizados medicamentos, o índice de abortos não-seguros se demonstra bastante elevado dado o número de internações após complicações referentes a prática. A conjectura do Ministério da Saúde é de que cerca de um milhão de abortos provocados aconteçam todos os anos no Brasil, também, segundo o órgão, os procedimentos não seguros de cessação voluntária da gravidez causam à hospitalização de mais de 250 mil mulheres por ano, cerca de 15 mil complicações e 5 mil internações gravíssimas. Débora Diniz em Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica de urna, realizada em 2010, nos mostra que “o aborto é tão comum no Brasil que, ao completar quarenta anos, mais de uma em cada cinco mulheres já fez aborto” e que a prática possui maiores índices no que diz respeito a mulheres com menor grau de escolaridade.
Postas essas informações, torna-se minimamente estranho pensar que um fenômeno tão comum e com consequências de saúde física e psicológicas tão graves, como o aborto, ainda seja permeado por tantos preconceitos e abordado através de referências particulares. Deste modo, a intenção desse artigo é propor uma alteração de ordem dos questionamentos, sendo primordial considerar não apenas quem são as mulheres que praticam aborto e quais são suas razões individuais, mas também constatar a prática como uma questão coletiva, de saúde pública, direitos sexuais; assim como reprodutivos.
* Alunos de Graduação do Curso de Ciências Sociais da UNESP – Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara. O projeto “Pílulas de Educação Política” é realizado sob a supervisão do Prof. Danilo Forlini, responsável pela disciplina “Ciências Sociais e Educação: Diálogos com a Ciência Política” feito em parceria com o Prof. Bruno Silva, coordenador do blog Multipli_Cidade do Portal A CidadeON.