Quando Francisco Salles Colturato nasceu, em 1964, seu pai já servia petiscos e uma boa gelada atrás do balcão. Atualmente é ele, o Fran, que segue a frente do Bar do Zinho, um dos pontos mais conhecidos do Centro de Araraquara.
Fran acompanha o comércio da família desde o berço. Seu pai, o saudoso comerciante João “Zinho” Colturato, montou o bar na esquina da Avenida Bandeirantes com a Voluntários da Pátria (rua 5) em 1954. Ficou lá por seis anos até se mudar definitivamente para a esquina de baixo, na mesma rua 5, em frente a Praça das Bandeiras, onde segue até hoje.
Com o passar dos anos, o Bar do Zinho extrapolou o conceito de boteco, e hoje traduz um cenário cultural de Araraquara através de seus personagens-frequentadores, bandas, política e “causos”.
Mas o espaço ganhou ares ecléticos que o caracterizam a partir de 1993, quando Fran decidiu ajudar o pai e ser seu braço direito nas mesas e balcão.
BAR DOCE LAR
No entanto, o filho-comerciante nunca havia pensado em assumir o bar, e tinha certo bloqueio com a questão. Sua mãe, dona Dizolina, não queria a mesma vida de sacrifício que o pai levava no comércio para o filho.
“No começo eu tinha certo bloqueio porque não queria o bar para mim, quando ele pedia para eu vir trabalhar no bar, eu vinha muito contrariado. A vida do meu pai foi dedicada ao bar, e nesse aspecto ele foi ausente. É isso nao é uma crítica mas uma constatação, porque ele sacrificou a vida pelo bar”, lembra.
Francisco recorda que um dia, do nada, acordou pensando em assumir o negócio. Antes ele havia trabalhado na Prefeitura, já foi bancário, vendedor, professor, entre outros.
“Simplesmente um dia acordei pensando em assumir o bar, eu sou espírita, então entra no plano da espiritualidade. Foi muito repentino. Eu cheguei no meu pai e falei que estava na hora dele parar de trabalhar e que estava na hora de eu ir para lá. Ele nunca chegou pra nenhum dos filhos para assumir, foi uma iniciativa minha”, conta.
DE PAI PRA FILHO
Francisco é o quarto de cinco filhos do casal João e Dizolina. Foi o único a se voluntariar para a empreitada. A maioria dos filhos mora fora de Araraquara.
O comerciante conta que na época o pai estava com 70 anos, sendo mais de 40 dedicados ao estabelecimento comercial.
“Ele levou o bar sozinho até os 70 anos e já estava muito cansado. Ele teve que convencer a minha mãe para eu ficar, embora ele nunca tenha me falado nada a respeito”, relembra.
PASSANDO O BASTÃO
No começo foi difícil o pai “largar o osso”. Por ser de uma geração mais velha e conservadora, Zinho não botava muita fé na juventude do filho à frente do bar.
“Ele demorou muito pra largar o osso, até ele pegar confiança, é uma coisa da velha guarda, eles acham que jovens jamais vão conseguir manter o negócio, então no começo foi com muita desconfiança, o que é natural”, pontua Fran.
Em meados dos anos 2000, que Zinho parou de “mandar”. Mas continuava frequentando o bar e batendo um bom papo com todos. Ele faleceu em 2013, aos 87 anos.
Fran continuou com praticamente o mesmo cardápio do pai, com as clássicas comidas de boteco, porções frias, quentes e lanches.
“Não adianta querer inventar muito porque aqui é boteco”, frisa.
PONTO POLÍTICO
Francisco lembra que o bar na administração de seu pai sempre teve um perfil conservador e político. Aliás, muitos políticos e personalidades da cidade batiam “cartão” por lá.
“O bar sempre teve um perfil muito conservador, e a história política de Araraquara passava aqui. O Waldemar de Santi não saia daqui, e o bar chegou a ser chamado de Senadozinho. Aqui era o ponto político”, conta.
Quando Fran começou a administrar, o perfil do boteco começou a mudar. Mas tudo foi “sem querer” e sem interferências dele. Simplesmente aconteceu.
O ADVENTO DOS CABELUDOS
A história do bar do Zinho, além de ser sobre a história de parte de uma família da cidade, intercala também vários momentos sobre a história de Araraquara, com suas rupturas, reconciliações, politicagem e novas gerações chegando.
No começo dos anos 90, o mundo passava por transformações culturais, incluindo a música. Era um dos grandes momentos do rock, com o grunge e metal em alta no Brasil.
Em Araraquara não foi diferente, mas ainda havia muito preconceito no ar com o gênero musical. E o bar do Zinho abriu as portas para essa turma.
Fran lembra que estava no balcão quando viu um grupo de uns 30 cabeludos chegar e se misturar em meio aos “tiozinhos” do bar.
“Eles vieram atrás de uma promoção de cerveja e o resto é história. Costumo falar que esse dia foi o advento dos cabeludos”, diz rindo.
O Bar do Zinho se transformou em um novo ponto da cidade, jovem, sonoro e rock´n´roll.
No começo, o comerciante lembra que ficou com receio de um conflito de gerações, mas isso nunca aconteceu. Já seu pai via a mudança de forma positiva, o bar estava faturando como nunca.
“Meu pai via a mudança como positiva porque estava gerando renda e nunca houve conflito com ele sobre a mudança de público. Ele sempre conversava muito com a molecada, todos sempre adoravam sentar na mureta e bater papo com ele”, relembra.
A mureta, que fique claro, sempre foi território da velha guarda do bar, mais conservadora.
ALMA DE SAMBISTAS
No tempo de seu pai, uma vitrola ecoava os sambas-canção de Nelson Gonçalves e Lupicínio Rodrigues. Foi onde Fran “bebeu” toda influência sonora que nortearia a sua vida até a formação do Sambazinho, roda de samba da casa. Ele também gosta de rock, mas a alma é de sambista.
“Eu escutava muito com meu pai Nelson Gonçalves, conheço todos os sambas antigos, isso veio dele. Escutava desde pequeno no bar, com ele”, lembra.
BAR É CULTURA
Hoje o rosto do saudoso Zinho estampa canecas, camisetas e até chaveiros com a frase “Bar é cultura”. Virou uma marca cult local, além do boteco.
Desde sempre o bar abriu espaço para todos os gêneros musicais, embora no começo o enfoque fosse mais tradicional, com a Seresta Caminho do Sol marcando muita presença.
Após algumas confusões na Praça da Bandeira, que fica em frente ao bar, o proprietário e moradores ao redor se uniram e fundaram a Associação Amigos da Praça das Bandeiras. O local funciona como uma extensão do bar com shows, feiras e muita cultura.
“Tudo o que meu pai é, o nome que ele carregou e hoje que dou continuidade valeu cada segundo de sacrifício. Tem certas horas que me questiono também, por que fui ser dono de bar, porque com a porta aberta, recebemos todo tipo de gente. Mas o espaço sempre foi assim democrático e eclético”, encerra.