A vida da refugiada kuwaitiana Bussaina Motih Abdel Fattah é uma história de muita coragem, fé e superação.
Há 35 anos, ela chegava na Morada do Sol, sem entender uma palavra em português. A sua história é o destaque no Dia Internacional da Mulher, comemorado neste dia 8 de março.
Ao longo do mês, a reportagem do acidadeon vai publicar perfis de mulheres inspiradoras e suas trajetórias de sucesso.
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REFUGIADA
Bussaina nasceu no Kuwait em 1965 e é filha de refugiados palestinos. Ela viveu a sua infância e começo da idade adulta em uma sociedade árabe muito rígida em relação as mulheres e seus direitos.
Para fugir da guerra iminente do Iraque, a Guerra do Golfo (1990-1991), e de todo contexto de opressão, ela acabou vindo para Araraquara em 1988.
Aqui, ela se casou com Mutih Abdel Fattah Ibrahim e teve quatro filhos: Alia (34 anos) , Renata (32 anos) , Walid (29 anos) e Yasmin (27 anos).
Duas filhas do casal, Alia e Yasmim, nasceram surdas, e se comunicam por libras em português. Todos são muçulmanos.
“A vida era muito difícil lá no Kwuait, era tudo muito rígido, mulher não podia sair, dar risada, eu vivia dentro de casa”, lembra.
Seu marido, que é palestino, já morava em Araraquara com a família. Eles se conheceram por intermédio de um tio, que arranjou o casamento árabe.
“A gente se falava por telefone e eu só fui conhecer meu marido pessoalmente aqui em Araraquara. Vim sozinha, e fui muito bem acolhida aqui pela família dele e pelos vizinhos. Minha família foi para os Estados Unidos”, lembra.
Seus pais e cinco dos oito irmãos conseguiram visto para os Estados Unidos e se refugiaram no país americano desde então. Outros dois irmãos ficaram na Palestina e na Jordânia.
Bussaina não lê e não escreve em português, mas se comunica muito bem na língua portuguesa.
“Eu tentei aprender, mas como tinha meus filhos para cuidar, sempre dei atenção à educação deles, e acabei não tendo tempo para aprender o português”, conta.
Três filhos são formados: Renata é advogada, Walid é educador físico do sub 15 e 17 da Ferroviária e, Alia, é pedagoga com especialização em libras. Já a mais nova, Yasmin, concluiu o ensino médio.
CHOQUE CULTURAL
O choque cultural foi grande para a jovem muçulmana recém-chegada na Morada do Sol. Enquanto lá as mulheres eram proibidas de saírem sozinhas nas ruas, aqui, o cenário era o oposto.
Desde que chegou, a família mora no bairro Santa Maria, próximo da Vila Xavier.
“Aqui era tudo muito diferente, e não foi fácil adaptar. Mas tivemos a sorte de ter bons vizinhos que nos ajudaram muito, e primeiro Deus que sempre me dá forças”, frisa.
Como ela e o marido não dirigiam, foi a solidariedade de araraquarenses que os socorreram em vários momentos. A língua portuguesa foi aprendida, em grande parte, em conversas diárias com os vizinhos.
A comida brasileira também foi outra grande novidade. Hoje, o arroz e o feijão não faltam na mesa da família. E claro, muita comida árabe, como os tradicionais charutos, quibe, abobrinha recheada e kafta.
“Meus filhos adoram arroz e feijão, então eu sempre faço. Mas não falta comida árabe em casa, faço todo dia alguma coisa”
Ela se lembra da estranheza ao experimentar nhoque pela primeira vez.
“Uma vizinha fez e eu achei muito estranho o gosto, mas depois acabei gostando”, diz.
RELIGIÃO
Muçulmana, o que ela mais sentiu quando chegou foi falta de mesquitas na cidade. As mais próximas ficam em Campinas e São Paulo.
No dia 22 de março acontece o Ramadã , data religiosa sagrada para os muçulmanos que é marcada pelo jejum. O Ramadã dura cerca de 30 dias.
Assim, eles fazem jejum diariamente entre o nascer e o pôr do sol. Na tradição islâmica, o profeta Maomé recebeu revelações divinas no século 7, durante este período do calendário.
“Março é um mês maravilhoso para nós. Não podemos comer e beber , só quando o sol vai embora, e oramos muito”, comenta.
FAMÍLIA
Distante de seus irmãos e mãe (seu pai já é falecido), ela costuma falar com eles pelo celular e WhatsApp. A tecnologia facilita e muito na hora que bate a saudade.
Ela nunca voltou ao país natal e visitou apenas uma vez a família nos Estados Unidos, há 13 anos.
No último mês, uma irmã veio para Araraquara pela primeira vez e passou uma semana com ela.
“Tenho muita saudades deles, dos meus primos, parentes que ficaram na Palestina, Kuwait. É duro morar longe, mas falamos por telefone sempre. O meu país é muito lindo”, reflete.
Hoje, ela enxerga as mudanças e avanços à liberdade e emancipação da mulher em seu país.
“Houve muita mudança para mulher, hoje ela estuda, trabalha, tem a sua vida”, avalia.
E encerra: “Quero ver meus filhos felizes e ter saúde. Eu gosto de assistir TV, ver jornal e ficar com a minha família”.
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