Após uma longa viagem de 24 horas, Rafael da Costa Fortes, de 47 anos, e a família chegaram a Araraquara, na madrugada da última terça-feira (7). Eles são vítimas da tragédia que tirou mais de 615 mil gaúchos de suas casas.
Rafael, a esposa e os dois filhos, além de outras 10 pessoas da família, dois gatos e três cachorros estão abrigados em casas de parentes. Moradores de Porto Alegre, eles perderam tudo com as enchentes que inundaram a capital do estado.
“A nossa esperança era que enchesse e, passando o tempo, a água baixasse. Só que depois, com o tempo, a gente se desesperou porque a água ia subindo um degrau da escada por hora. Quando eu vi que realmente não ia parar de subir, a gente se desesperou e começou a chamar ajuda das 6h da manhã até às 3h da tarde“, lembrou.
Rafael e a família moram no bairro Anchieta, um dos mais afetados da capital. Com a água acima dos quatro metros de altura, ele e a família foram socorridos com ajuda de jet ski e levados até um posto da Polícia Rodoviária Federal. Segundo ele, naquele dia mais de 50 pessoas próximas foram resgatadas.
Deixando a casa submersa para trás, ele se abrigou, inicialmente, na casa da mãe, que fica do lado oposto da cidade. Porém, mesmo debaixo de um teto, a violência e a falta de água potável lhe obrigaram a deixar a cidade.
“Meus filhos viram cenas de famílias tomando água de poças no chão, pessoas andando como zumbis com garrafas vazias nas mãos, um clima muito tenso. Ficamos uma manhã inteira para conseguir uma garrafa de água”, disse.
Diante deste cenário desolador, a irmã de Rafael que mora em Araraquara propôs que toda a família deixasse o Rio Grande do Sul em busca de um lugar seguro até as coisas melhorarem.
CADÊ A PIPOCA?
Porém, após desembarcar em Araraquara, a família de Rafael começou a enfrentar outro drama: o sumiço da cadelinha Pipoca, que fugiu da casa em que estava provisoriamente abrigada.
Segundo Rafael, logo que a família chegou à cidade, os cachorros ficaram na casa da sogra de sua irmã, enquanto ele e outros parentes foram para outro local para tomarem banho e se alimentarem.
“Ela é muito apegada a mim. Todo o dia quando eu chego em casa, ela senta, fica me esperando, ansiosa. Acho que neste dia ela se desesperou. Por algum motivo, deve ter pensando que tivesse sido abandonada e quis fugir para me procurar”, lembrou.
Desde então, ele tem percorrido os bairros da cidade a pé em busca de notícias. Atualmente, a família está abrigada no Jardim Arangá e a cadelinha foi vista pela última vez no Jardim das Gaivotas e Melhado.
“Estou conhecendo bastante Araraquara, estou caminhando, estou com os pés em carne viva. A gente já procurou de carro e, agora, faz uns três dias, que estou procurando a pé para ver se ela sente o meu cheiro“, explicou.
Pipoca tem o porte médio, é malhada de branco e preto, e usa duas coleiras, uma verde limão e a outro antipulgas. Segundo a família, o animal é adestrado, castrado e vacinado.
Rafael contou que adotou a cadelinha novinha, logo após ser abandonada e, desde então, é a companheira da família. “Ela sempre foi a nossa companheira de caminhada. A gente caminhava até a pista do aeroporto [Salgado Filho, em Porto Alegre], que hoje está debaixo d’água. Meu filho está arrasado, me cobrando muito porque é praticamente uma irmã para ele”, disse.
Nesta terça-feira (14), ele pretende ainda visitar a região central e o Carmo, além de canis e abrigos na tentativa de localizar a Pipoca. (Veja como ajudar abaixo)
DIAS MELHORES
Enquanto a família está em um local seguro, Rafael pretende voltar nesta semana ao Rio Grande do Sul e se voluntariar nas ações em prol dos desabrigados e desalojados. A tragédia também deixou 147 mortos e outras 125 pessoas desaparecidas.
Uma coisa que me deixa muito triste, parte o meu coração, é ver uma cidade que eu amo tanto colapsar tão rápido, da noite para o dia, ver como a gente é frágil
Rafael da Costa Fortes
Para ele, o maior drama é desconhecer quando a situação irá se normalizar, porque ainda chove no estado e a água continua alta. Os gaúchos sofrem ainda com a falta de água potável, hospitais lotados e a criminalidade, como o furto de residências desocupadas.
Diante desta situação, ele disse que passou a valorizar ainda mais as coisas simples e os momentos com os filhos. “Quando eu fui procurar a Pipoca em um supermercado, eu vi as pessoas andando, carregando os carros, saindo com as famílias, e eu pensei: ‘pessoal, valorize isso, porque eu tinha isso e, agora, a gente está nesta situação“, lamentou.
NOVO TORCEDOR
Gremista de coração, Rafael disse que a Ferroviária ganhou novos torcedores daqui para frente. “A gente está se sentindo acolhido em Araraquara. Todas as pessoas com quem a gente conversou todo mundo muito carinhoso. Todo mundo é gremista na família, mas falei que, agora, vamos virar Ferroviária também, até pretendo levar meu filho para assistir a um jogo”, concluiu.
COMO AJUDAR
Você viu a Pipoca? Entre em contato com o Rafael pelo telefone (51) 9544-7408.