* ATUALIZAÇÃO 22/03 às 21h15 para incluir novo posicionamento da Prefeitura informando que esteve no local e o casal negou acolhimento
Com os olhos marejados e cansados de mais um dia sem dormir direito, um casal em situação de rua de Araraquara procura uma luz no fim do túnel. Em uma praça na Vila Xavier, eles improvisaram uma moradia em um túnel de concreto de um parquinho infantil.
Papelão, espumas, roupas e utensílios domésticos ficam “guardados” no lugar, que está cercado por uma lona preta para proteção do vento ou da chuva.
“Não estou me sentindo bem morando aqui, é complicado não consigo dormir. Não queremos ficar aqui nesse túnel e não sabemos o que podemos receber aqui. Só precisamos de oportunidade, estou fazendo o possível, mas está difícil”, contou Henrique, de 46 anos.
Henrique é companheiro de Roseclaire Albino, 47 anos, eles tem um filho pequeno de 8 anos que mora com a mãe de Rose. Há cinco meses eles foram parar nas ruas devido ao desemprego e não ter mais onde ficar.
Para sobreviver eles recolhem material reciclável e fazem bicos, como tirar mato das calçadas. Inclusive na praça onde estão morando, Henrique roçou e tirou muito lixo acumulado.
“Limpei a praça, tirei um monte de lixo, tinha fraldas, marmitex. Achei até um escorpião e cobra. Aqui vem muita criança da escola brincar. Quero sair dessa vida e ter um lugar para morar com meu filho”, disse Henrique.
DIA A DIA
Com o trabalho de reciclagem e dependendo do dia, eles tiram R$20 que dá para comprar pão, mortadela e macarrão.
Tijolos, tábuas e gravetos se transformam em fogão e através de uma lata utilizada como panela, o casal aquece a refeição do dia: macarrão alho e óleo, a comida que tem.
Porém, não é todo dia que conseguem por comida no prato. Alguns moradores do entorno levam comida e água potável.
“Temos que ajudar, eles precisam sair dessa situação”, comentou uma moradora que levou um pouco de alimento.
UM TETO PARA MORAR
Para tomar banho, o casal improvisa um “banheiro” em uma moita e usa caneca de água para se limpar.
“Não sei o que é um chuveiro há um bom tempo. Queria tomar um banho e dormir sem medo. Não deixamos nada bagunçado e amontoado, temos que tomar banho no meio da moita, não é vida”, suspirou Rose.
À noite eles tentam dormir, mas é complicado. Há receio com o furto de materiais recicláveis que recolheram durante o dia e também de algum tipo de violência.
“O Henrique fica de guarda a noite toda porque tem medo de alguém tacar fogo, e de manhã não consegue dormir porque aqui é um parquinho e crianças da escolinha brincam, e ele não se sente bem em estar aqui nesse espaço delas. A gente está assim, mas vamos nos levantar, eu acredito nisso”, apontou.
UMA CHANCE
O casal reforçou que sofrem bastante preconceito e recebem muita porta na cara. Rose comentou que às vezes um simples pedido de um copo de água é motivo para humilhação.
“Muitos só tacam pedra e humilham, correm da gente quando pedimos um copo d´água. As pessoas batem a porta na nossa cara, só precisamos de ajuda, de um voto de confiança”, expõe.
Henrique disse que só precisa de uma oportunidade. Ele já trabalhou como pedreiro, pintor, mecânico, encanador e ferreiro.
“Não consigo arrumar emprego, casa, nada. Quando varro alguma calçada ou carpo ainda tem gente que vem xingar a gente, é muito desaforo. Está difícil conseguir algo hoje. Eu já fiz coisa errada e já paguei por isso. Não tenho vício algum, só fumo cigarro”, observou.
O sonho do casal seria morar em uma chácara ou sítio e cuidar do espaço.
“Precisamos de uma ajuda da população, do prefeito. Se me derem uma chácara para cuidar, eu mexo com horta, limpo a chácara, gosto de animais. Preciso de apoio, matando a minha fome e tendo um teto está bom, nem preciso de salário”, desabafou.
Rose comentou que antes de se alojarem no túnel da pracinha, eles estavam na Praça do Jardim Martinez. Ela frisou que certa vez funcionários da assistência social de Araraquara estiveram no local e nada foi feito.
“A perua da assistência social da prefeitura ignorou a gente na praça do Martinez, pegaram só o nosso nome e sumiram, eles fizeram desfeita da gente. Estava chovendo no dia, um vizinho viu tudo e cedeu lençóis pra gente dormir, agradeço muito quem ajuda”, encerrou.
Em nota, a secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social disse que esteve no local ainda hoje e o casal recusou todo e qualquer tipo de atendimento e acolhimento oferecido pela prefeitura.
“Esse casal já é acompanhado há tempos pelas equipes de abordagem já que estavam abrigados em outro espaço. Amanhã, novamente, haverá tentativa de convencimento do casal para inserção nos serviços públicos por meio das equipes de abordagem da assistência e também da saúde”, disse o posicionamento.