Sagaz e crítico a situação política brasileira, o escritor araraquarense Ignácio Loyola Brandão, de 86 anos, não disfarça a sua insatisfação e falta de perspectiva na atual conjuntura do país.
Pandemia, negacionismo, miséria e fome foram o combustível para o novo romance distópico do autor, “Deus, o que quer de nós” (Global).
O livro será lançado neste próximo domingo (25) em São Paulo, e encerra a tetralogia sobre desgovernos desastrosos, iniciada com o clássico “Zero” em 1975.
“Quando eu comecei nem imaginava que ia fazer tetralogia, tanto que comecei com Zero lá nos anos 70, e aí os outros se encadearam, porque veio se encadeando uma série de catástrofes no Brasil. O país está regredindo desde lá atrás, desde a ditadura, e apesar da transição para democracia e um leve respiro, agora estamos nessa situação”, aponta.
Dentro da tetralogia estão o já citado “Zero” (1975), “Não verás país algum (1981), “Desta terra nada vai sobrar” (2018) e “Deus, o que quer de nós? “ (2022).
FICÇÃO DA VIDA REAL
Loyola Brandão se inspira em personagens reais para compor o livro, como o presidente identificado caricaturalmente como Desatinado ou Destemperado.
O romance distópico se passa em uma pandemia sem fim, onde a realidade muitas vezes perde o sentido, misturando passado e presente.
Na trama, o personagem principal é vivido por Evaristo, um cidadão brasileiro isolado em seu apartamento e que acaba de enterrar a mulher, Neluce.
“Isso é o Brasil, e o livro reflete essa situação de desespero sem nenhuma perspectiva por enquanto. É um livro apocalíptico, os relógios começam a voltar para trás, é o desmatamento, fim da vida, e a história vai voltando até a pré-história. O Desatinado é a caricatura de qualquer governante fascista, é um clichê”, revela.
A inspiração do título do livro vem de outro romance (póstumo), não menos importante: “As inseparáveis”, da escritora e intelectual francesa Simone Beauvoir.
Loyola explica que no livro de Beauvoir a autora vive em um contexto de pós-guerra embalada no existencialismo/marxismo, e em certo momento questiona a doença incurável de sua melhor amiga “Ai meu Deus, o que o senhor quer de nós?”.
“Essa pergunta é a perplexidade da pessoa diante da morte. No meu livro a pergunta é sobre a perplexidade das pessoas diante de um governo desastroso como esse, negacionista, enfim, não existe esse governo”, crava.
MULHERES REVOLUCIONÁRIAS
Para Loyola Brandão, as mulheres são a potência do mundo. Ele enxerga uma revolução comandada pelas figuras femininas atualmente frente à lutas antirracistas e igualdade salarial. Em “Deus, o que quer de nós”, as mulheres são cruciais. (Atenção contém spoiler)
“Há uma revolução comandada pelas mulheres no mundo e no Brasil, finalmente as mulheres estão se impondo e avançando, tomando a liderança de tudo, nas pautas desde o racismo, envelhecimento, empregos e salários iguais. Há um movimento brasileiro muito forte e eu coroo isso bem. Quem salva o Brasil da pré-história é um grupo de mulheres enorme que carrega o trem do passado para o futuro”, revela.
ELEIÇÕES X GOLPE
Com duras críticas ao atual governo, o escritor aponta insegurança com as instituições políticas e seus representantes.
Loyola Brandão desabafa que nunca sentiu tanta angústia como nestas eleições de 2022. E está receoso com possibilidade de golpe. Aos 86 anos, ele faz questão de votar.
“Claro que vou votar, só não voto no último dia da minha vida. Essa é uma das eleições que maior sofrimento está me causando, o medo que estou diante do que pode acontecer ou não acontecer. Todos os lados estão inseguros, sem ter a mínima noção do que pode vir acontecer com um desatinado como esse”, frisa.
E continua: “As instituições estão paradas, ninguém segura ele (Bolsonaro), o Centrão manda nesse país, e há homens da pior espécie, como Rodrigo Pacheco (presidente do Senado Federal) e Augusto Aras ( chefe da Procuradoria Geral da República). O Brasil está na mão dessa gente. Pode vir um golpe, é uma dúvida tremenda, vou ter angústia até o dia seguinte da eleição. E acho que não sou só eu mas todos que estão conscientes estão com essa angústia”, pontua.
REFLEXÕES
Somado ao contexto nebuloso da política brasileira, Loyola ainda reflete sobre uma possível guerra nuclear estimulada pelo presidente russo Vladimir Putin.
Na última quarta-feira (20), o russo convocou 300 mil soldados para a guerra contra a Ucrânia.
“Eu acredito que a humanidade não é suicida, mas adora ser sadomasoquista. Estamos na iminência do fim, acredito nisso, porque o Brasil e mundo estão nas mãos de pessoas que não são seres humanos. Infelizmente o ser humano também é isso, é paradoxal e desesperador, cheio de perplexidade. Pode explodir uma bomba e vamos todos embora”, opina.
ESCRITA É MINHA SAÍDA
Realista e sempre direto ao ponto, Loyola mostra através da escrita sua (d)esperança e alívio.
Para ele, cabe a cada um cumprir com o seu papel para, quem sabe, ter um futuro mais otimista.
“A escrita é minha saída, como outros fazem música, teatro, cinema, cada um encontra uma saída. Enquanto eu estiver vivo eu vou escrever, e enquanto cada um de nós fizer o que tiver que fazer, pode ser que a gente sobreviva. Mas a esperança é uma palavra muito vaga e tênue que inventaram, essa é a questão”, profetiza.
Em novembro, o escritor será homenageado na 1º Festa Literária da Morada do Sol (Flisol).
SERVIÇO:
Livro: Deus, O Que Quer de Nós? (Global Editora)
Autor: Ignácio de L. Brandão
200 páginas
R$ 59