Afrontosas e revolucionárias, elas vem causando e transformando o universo do funk como as Irmãs de Pau.
A dupla formada pelas multiartistas travestis Vita Pereira, que reside em Araraquara , e Isma Almeida, de São Paulo, é destaque no documentário recém-lançado “Nóis é cria”, disponível na Globoplay e Canal Futura.
“Ficamos muito felizes com o conteúdo, foi maravilhoso, isso só mostra a nossa a potência, são anos de pesquisa e estudos, e damos o melhor da gente. Nosso atual momento é de entender o público que já conquistamos e qual queremos conquistar agora, além de como manter o público”, contou Isma.
Com um disco lançado, “Dotadas” (2021), o duo ocupa espaços e reivindica a o direito de ser travesti, questionando o status quo com letras ácidas, sexuais, debochadas e contestadoras.
O álbum tem participação de Jup do Bairro na música “Hermanas”, e clipes que se destacam pela produção grandiosa, como o último lançado “Shambaralai”. A dupla conta com produção de peso de BADSISTA, EVEHIVE, Apache, entre outros.
“Estamos em um processo criativo de amadurecimento do nosso trabalho artístico, revendo o que fizemos e que estamos fazendo. No primeiro trabalho” Dotadas”, nos conectamos e trocamos afeto com nosso público através da música e estamos vendo novas formas de trabalho que perpassam e extrapolam a música. Viemos do cinema, e vemos que conseguimos adentrar outros espaços e a música abre caminhos para que isso possa acontecer”, comentou Vita Pereira.
GUERRILHA CULTURAL
Pedagogas, funkeiras, cineastas, performances , entre outras frentes de guerrilha cultural, elas não se moldam apenas em uma categoria artística.
Vita Pereira é idealizadora da Casa Travada, primeiro espaço autônomo multicultural LGBTQIA+ de Araraquara, marco no empoderamento travesti na cidade.
No espaço acontecem diversas oficinas artísticas, performances e o atualmente a 3ª edição do evento de moda não-convencial “Encruzilhada Futurista”. Em breve, um documentário sobre a Encruzilhada será lançado.
MAIS QUE FUNK
Vita questiona os marcadores sociais para quem é travesti, e toda violência ligada ao gênero, incluindo o funk.
“Eu não quero ser reconhecida apenas como uma funkeira travesti, justamente porque é como se a sociedade colocasse marcadores sociais somente para quem é travesti, pessoas negras, LGBTQIA+, mulheres, etc, porque os caras não são reconhecidos como funk de homem, entende?”, questionou Vita.
Através de suas pesquisas, elas realizam trabalhos sonoros e de linguagens que transgridam o nicho musical.
Neste ano, as Irmãs de Pau participaram da SP ARTE, maior feira de arte da América Latina, no stand da HOA, com o quadro: “Banhadas de Ouro”.
“Quero ser reconhecida como uma funkeira que inclusive realiza um trabalho e uma pesquisa sonora em intercruzamento com diferentes tipos de linguagem e sonoridades, como o vogue, funk, música eletrônica, coisa que já vemos diversos grupos fazendo no Brasil”, frisou Vita.
ASSISTA O CLIPE
Isma reforçou também a narrativa anti estigmatização de identidade de gênero.
“Não é que vamos deixar de falar o que é ser travesti , mas não falar apenas sobre isso, porque isso é uma forma de nos oprimir , e nos colocar apenas como travesti e não como pedagogas e educadoras que somos. Temos família, sonhos e questões de negritude que atravessam a nossa vida e que temos que comemorar”, apontou.
“Ser travesti e funkeira no Brasil está ligado à violência, e não quero ser reconhecida pela violência, por isso que nas minhas músicas falo sobre prosperidade, vida e putaria, do que falar sobre violência porque quando se é travesti o cenário de possibilidades para gente é muito pequeno”, reforçou Vita.
ESTÉTICA SONORA POLÍTICA
Vita e Isma se conhecem desde o ensino médio, quando estudaram juntas em uma escola pública de São Paulo. Após os estudos, ambas cursaram pedagogia, Vita em Araraquara, enquanto Isma em Uberlândia (MG).
O reencontro veio na pandemia, quando lançaram o primeiro disco, embaladas pelo que chamam de “pedagogia da putaria”.
“Eu acho que nomeamos nosso trabalho enquanto pedagogia, pedagogias da putaria, porque justamente são aulas, já que estamos relocando o nosso corpo a partir da nossa narrativas, falando por nós mesmos. Porque historicamente sempre tivemos o outro falando sobre a gente , tratando como objet . Então é uma aula porque não é só uma música, tem todo esse aparato estético, cultural, de identidade e político”, refletiu Vita.
Peitando a cisgeneridade, as artistas não poupam o ouvinte desatento com letras sarcásticas repletas de beats dançantes como “ Dotadas”, “Travequeiro”, “Pedagorgia” e “Shambaralai”. Através das redes sociais, elas produzem conteúdos constantes sobre a carreira e assuntos diversos.
“O funk tem uma linguagem muito sem vergonha e sexual na maioria das vezes, é o que mais marca. Mas a música ensina também, e quebramos essa lógica da cisgeneridade, porque falamos sobre outras possibilidades sexuais e além dessas questões, como a transfobia, família, prosperidade, feminino, união, questões sociais, tudo é um jeito de ensinar”, afirmou Isma.
Para conhecer mais o trabalho das Irmãs de Pau, acesse o Instagram e o canal do Youtube.
“A nossa intenção é viver apenas das Irmãs de Pau, é nosso sonho e queremos ser a revelação desse ano”, conclui Isma.