“Quando mamãe e papai decidiram ter um bebê, não imaginavam a aventura que ia ser”. Esse é o início do livro “Semente”, que retrata o processo de fertilização in vitro da escritora de Araraquara, Cintia Almeida da Silva Santos, de 44 anos.
O trabalho infanto-juvenil também é uma homenagem ao seu filho Lucas, uma forma de explicar como ele chegou ao mundo.
A vontade de ser mãe veio aos 36 anos. “Eu me casei muito cedo, com 21 anos, mas fazia uso de métodos contraceptivos. Quando eu fiz 36, eu e meu marido começamos a mudar de ideia.”
Por conta da idade de Cintia, o ginecologista passou um exame de análise das trompas. “Eu tinha obstrução bilateral das trompas, na hora que eu pego o exame e levo para ele, ele categórico disse que eu não engravidava naturalmente, teria que ser via reprodução assistida”, contou Cintia.
“E aí o mundo caiu. Então, de uma hora para outra, de uma pessoa que passou 15 anos ali casada sem querer ter filho, de repente, eu chego nessa condição de não poder ter filhos via essa concepção natural”.
A escritora e o marido então decidiram partir para a jornada e iniciaram o processo em Ribeirão Preto.
O procedimento começou no início de 2017 e foi até fevereiro de 2018, quando ela engravidou. “Foi uma história rápida, foram duas fertilizações.”
Cada fertilização contava com duas transferências de embrião. Três delas deram negativo. “Só deu certo a gravidez na última transferência, quando não tinha mais embrião, quando eu já estava desistindo.”
Quando a confirmação da gravidez veio, Cintia e o marido não se contiveram de felicidade. “Foi uma loucura, a gente transbordava gratidão. E que fizemos, tudo que se fosse em outra situação não faríamos: ensaio de gestante, festa de um ano, tudo aquilo de celebrar. (…) Foi uma caminhada intensa, mas digamos assim, teve um final feliz.”
Apesar de toda incerteza, dor física e emocional ela afirma que passaria tudo de novo pelo filho, que hoje está com 6 anos. “Pelo Lucas eu faria tudo novamente. Para as mulheres que estão nessa dúvida dessa possibilidade eu digo que tentem, se você está no desejo de passar pela fertilização, eu jamais vou falar para não tentar. A maternidade tem que ser uma escolha, e se diante dessa escolha ela vir em fertilização, isso não nos diminui em nada”, completou.
Uma forma de canalizar a dor
Enquanto lutava para realizar o sonho de ser mãe, a escritora se deparou com uma montanha russa de emoções, mudanças e restrições.
“Tem a questão dos hormônios, é incerto, porque você congela, e depois descongela, e se perdem embriões no processo. Mexe muito com o emocional com o físico. A gente começa a compreender a partir do momento que vivência. É questão financeira, psicológica, de logística, de rotina”, disse.
Como forma de compartilhar suas experiências e desabafar sobre esse processo, na época ela criou um blog. Dali, ela conheceu outras mulheres e criou laços valiosos para toda a vida.
“Queria canalizar a dor na época. Foi através do blog, que conheci a madrinha do Lucas. Nós passamos pelo processo de fertilização juntas, ela em Pereira, Portugal, e eu em Araraquara. A gente se ligava todos os dias. Fomos do processo da dor, sofrimento até termos as nossas crianças. Tanto que no Semente quem escreveu o texto de contracapa foi ela, a Tati, minha comadre. Ai a gente fala desse amor atlântico. Ela teve a Maria Francisca e eu o Lucas, que é três meses mais velho”, contou.
Do blog ao livro
Quando o filho de Cintia tinha 8 meses ela ganhou do marido o livro “Quem tem medo de feminismo negro?”, da autora Djamila Ribeiro.
“Lia o livro nas madrugadas, enquanto amamentava, e ai me veio aquele boom, da questão do cabelo, de me enxergar como uma pessoa negra com esse letramento. Resolvi ler outras obras, de outras escritoras negras: Conceição Evaristo, Chimamanda Ngozi Adichie, Maria Firmino dos Reis, Lélia Gonzales, Maria Beatriz Nascimento. Ai eu pensei: eu preciso fazer algo por mim e pelo Lucas”, disse.
Foi ai que nasceu o projeto “Sou Crespa”, depois o livro “Minha Mãe Usa Touca de Cetim“, mais tarde “Meu Pai Também Usa a Touca de Cetim”, e agora o mais novo trabalho, “Semente”.
“Acabou tendo uma conexão tão bacana, Semente vem trazendo essa temática para o público infanto-juvenil de uma forma leve, são poucos os livros dessa temática que chegaram ao meu conhecimento”, contou.
A obra também homenageia a intelectual Maria Beatriz Nascimento, mulher negra, nordestina, historiadora e poetisa.
Além do livro “Semente”, Cintia também lançou “In Vitro: escrevivências poéticas de uma mãe preta” para adultos.