Em entrevista ao ACidade ON, o prefeito de Araraquara, Edinho Silva (PT), falou sobre o arquivamento do pedido de impeachment contra sua gestão e novo capítulo da polarização política com o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido).
No início da semana, após a vinda do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL), lideranças políticas ligadas ao Patriota e Podemos, além do ex-candidato a prefeito doutor Lapena e coronel Wagner Prado, foi protocolado pedido para impedimento do prefeito. Na terça, por 13 votos a 4, a Câmara decidiu pelo arquivamento da iniciativa.
Silva disse não ser surpreendido com o pedido feito pelo grupo bolsonarista devido ao destaque da cidade no enfrentamento da pandemia. Ele ressaltou que o episódio inédito na história política será registrado como uma “vitória da democracia”.
A entrevista, feita na última sexta-feira (06), foi dividida em duas partes. A segunda parte será publicada neste domingo (08).
CONFIRA A ENTREVISTA COMPLETA COM O PREFEITO DE ARARAQUARA:
ACidade ON: Como o senhor recebeu a notícia da vinda do Eduardo Bolsonaro e o pedido de impeachment. Esperava que a disputa política pudesse chegar ao nível de pedirem seu mandato?
Edinho Silva: [Sim] Pela visibilidade que Araraquara ganhou no enfrentamento à pandemia e isso simplesmente por respeitar a ciência e a medicina. Nada do que fizemos foi uma invenção dos gestores municipais. Temos a Eliana Honain que lidera a secretaria da Saúde de forma brilhante, mas temos comitê científico que é ouvido, comitê de contenção da doença, a faculdade de Saúde Pública da USP, o Instituto de Medicina Tropical da USP, pesquisadores das federais, se criou um grupo de abril do ano passado para cá que tem nos orientado sobre nossas ações.
Em síntese respeitamos a medicina e a ciência. Fazendo isso, a cidade teve uma visibilidade internacional e por diversas vezes o presidente da República atacou Araraquara por fazer aquilo que a ciência dizia ser o correto, vimos ações articuladas por instituições do Estado brasileiro, como o Exército e a Ceagesp virem para a cidade criando fato político para tentar desgastar aquilo que tínhamos feito.
Dizer a verdade esperava que em algum momento tivesse uma ação mais dura para tentar desconstruir isso que Araraquara passou a representar no momento em que o presidente da República e seu entorno político são negacionistas e por extensão acabam dando espaço para um momento que se caracteriza como genocídio.
Quando você tem esse antagonismo de posições eu esperava que Araraquara sofresse um ataque mais duro, então isso não me surpreendeu e penso que a cidade respondeu o melhor possível. Todas as instituições saíram na defesa daquilo que a cidade tem feito no enfrentamento da pandemia, recebi centenas de manifestações de professores das universidades, representantes da área jurídica, dos setores empresariais da cidade, todo mundo defendendo Araraquara. Figuras públicas de repercussão nacional, enfim, penso que a cidade respondeu à altura.
Minha maior surpresa é quando vejo lideranças locais legitimando tudo isso. Saímos de um processo eleitoral incontestável em 2020, obtive uma vitória nas urnas com mais de 10 pontos percentuais na frente do segundo colocado. Não tem o que questionar qual foi à vontade democrática da cidade.
Lideranças que perderam as eleições de forma democrática fazerem coro para um pedido de impeachment contra um prefeito democraticamente eleito é uma coisa inédita na cidade. Nunca vivenciamos nada como isso. Ao contrário, temos uma tradição e eu defendi posições políticas diferentes do prefeito Massafera, De Santi, depois do ex-prefeito Marcelo Barbieri e o mesmo também quando o De Santi ganhou eleição do Massafera, o Massafera ganhou eleição de candidato apoiado pelo De Santi, o Medina perdeu eleição para o De Santi, enfim, vamos voltar na história de Araraquara e nunca se fez política de baixo nível.
A nossa tradição política, por mais defendemos posições diferentes, sempre tivemos lideranças que souberam conviver democraticamente com a diversidade e quando necessário às lideranças políticas se uniram. Quando o interesse de Araraquara fala mais alto, as lideranças políticas se unem. O que vimos essa semana foi à inauguração de uma prática inexistente na nossa cultura política e que penso que é muito ruim, porque a vontade das urnas é para ser respeitada. Eu penso que esse é um princípio básico para quem quer construir uma sociedade democrática.
ACidade ON: Foi a primeira vez na história política da cidade que houve um pedido como esse, qual é o impacto disso? Considera que o governo saiu fortalecido desse processo?
Edinho Silva: Penso que nesse momento da história de Araraquara o grande vitorioso foi o campo democrático. Acabou se criando por conta desse episódio um campo democrático que, repito, nem todo mundo pensa igual, ou tem a mesma visão de sociedade, mas que se uniu para dizer que Araraquara não convive com nenhuma forma de autoritarismo, então esse campo democrático saiu muito fortalecido.
Penso que a resposta que a Câmara deu foi de uma grandiosidade política que vai ficar registrada nos Anais da história da cidade. Os Anais vão registrar o que aconteceu nessa semana como grande vitória da democracia. Foi uma afronta à democracia, vontade popular, das urnas e a Câmara demonstrou ser uma instituição forte e de muito respeito.
ACidade ON: A tentativa de compra dos respiradores apesar de solucionada para vocês, ainda é alvo de disputa política. Acredita em pontas soltas ou realmente encara isso como resolvido?
Edinho Silva: Não penso que o motivo seja esse. Penso que se cria um motivo para tentar fazer disputa política de baixo nível. Com esse mesmo tema tentaram há semanas atrás atingir a Eliana Honain e de novo a Câmara criou uma solução que coloca os interesses públicos em primeiro plano porque você vai criar uma CEI com claro objetivo de atingir a secretária da Saúde no meio de uma pandemia. Não superamos a pandemia ainda e novamente a Câmara deu uma resposta à altura.
Agora usam esse mesmo assunto para embasar, entre outras coisas que escreveram ali e são completamente absurdas, para embasar um pedido de impeachment de um tema que está exaustivamente esclarecido. O próprio Tribunal de Contas da União fez um parecer contundente dizendo que não há hipótese de superfaturamento, que isso não existiu.
A Prefeitura na época – tem que voltar lá em abril de 2020 -, estava montando o hospital de campanha e precisávamos de respirador, porque quais eram as cenas que assistíamos mundo afora? Em todos os países europeus as pessoas morrendo sem respiradores.
Fizemos esforço para comprar, a empresa não conseguiu retirar os respiradores da China porque o governo americano estava pagando muito acima do que o mundo pagava por respiradores. Ela rescindiu o contrato, conseguimos resgatar metade dos recursos, o restante, claro que tem um erro aí por parte da empresa e tanto que nós acionamos judicialmente para que ela devolvesse o restante que estava faltando, o juiz deu ganho de causa, portanto, o Judiciário penhorou os bens dos sócios, o que não é nada rotineiro ir ao patrimônio dos sócios.
Foi isso que aconteceu e está mais que esclarecido esse episódio, não tem ilegalidade, irregularidade, demonstramos isso a exaustão tanto ao Tribunal de Contas do Estado, da União, enfim, mas se não fosse esse motivo iam inventar outro, pois a questão é uma posição autoritária de não reconhecer o resultado eleitoral de 2020, isso é nítido, que tenta nos impedir de governar. Estão tentando a todo custo impedir que desenvolva um governo em Araraquara, então eles vão ficar procurando motivos e vamos respondendo no campo da democracia e acreditando sempre na força da verdade.