ESPECIAL – EMPODERADAS
Apesar de ser maioria do eleitorado e, da própria sociedade em que está inserida, a representatividade política para a mulher em Araraquara ainda é um desafio.
Na história da cidade, nunca uma mulher dirigiu a Prefeitura e somente 13 foram eleitas vereadoras. Edna Sandra Martins foi a que chegou mais longe: à presidência da Câmara.
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Cientista social, Edna Martins, de 54 anos, foi vereadora em Araraquara por três mandatos, uma das fundadoras do Cedro Mulher e a primeira a presidir a Câmara Municipal.
“Me apresentaria como sendo de Araraquara, pois é uma informação importante, socióloga, feminista e ativista política”, disse a presidente estadual do PSDB Mulher.
Seu interesse pela política começou cedo, nos movimentos sociais, a partir de sua participação nas ações da igreja católica da década de 80 e depois no Partido dos Trabalhadores (PT).
“Foi aí que comecei a me motivar para a questão do ativismo, para mudar as coisas e o contexto. O grupo de jovens se encontrou com o PT, o primeiro partido dos trabalhadores, e eles falavam muito da nossa realidade de jovem da periferia de Araraquara”, completou.
Ainda na igreja, Edna discutia as problemáticas envolvendo as mulheres e os desafios que precisariam ser superados. Encontrou a “causa de sua vida”, como ela mesma se referiu à reportagem.
“É a pauta da minha vida e das mulheres brasileiras, de conquistarmos essa condição de igualdade na sociedade, de respeito, que hoje, infelizmente, ainda falta”, afirmou.
Mais tarde, após a fundação do Cedro Mulher e de impulsionar as políticas públicas que praticamente não existiam, o movimento social ficou “pequeno” para os anseios do grupo.
“Chegamos a um ponto de organização em que reivindicamos pautas na Câmara, não tínhamos uma voz que ecoasse a nossa luta e fui escolhida para disputar as eleições”, disse.
Em sua avaliação, as políticas públicas para as mulheres em Araraquara foram inicialmente conquistadas a partir deste período e de sua parceria com a ex-vereadora Vera Botta.
“Fomos somando a outras mulheres na gestão pública municipal que também lutaram por isso, e Araraquara conquistou uma sensibilização para esse problema das mulheres”, opinou.
Sobre a representatividade feminina na política nos dias atuais, Edna Martins ressaltou ser importante ver vereadoras atuando na Câmara Municipal, mas disse querer ver mais.
“Temos mantido uma participação importante de mulheres na Câmara e isso nos dá alegria. Queríamos que fosse mais, mas, felizmente, temos bons frutos dessa história e boas políticas públicas que resultaram desse trabalho todo”, defendeu.
DESAFIOS
Mas, se engana quem pensa que a participação das mulheres na política é fácil. Edna Martins revelou ter sido alvo de inúmeros comentários machistas e de ataques a sua vida pessoal.
“Normalmente tem questões pejorativas, que visam atacar a imagem da mulher, isso é algo comum e não sou eu, mas todas que participam da política passam por esse processo”.
“É uma coisa difícil, pois assusta quando chegamos neste espaço. Tem que ter uma medida de coragem, superar uma série de coisas do cotidiano, de piadas nesse ambiente que é muito masculino e dar um jeito de se impor na discussão política”, completou Edna.
Apesar dos “perrengues” e preconceitos, a ex-vereadora considerou ter conseguido lidar com as situações e emplacar os projetos que considera importantes para as araraquarenses.
“Temos que nos preparar muito, ser boa no que fazemos, para sermos reconhecidas na política, o que não é exigido dos homens em geral”, considerou a ex-parlamentar.
VOOS À PREFEITURA E FALTA DE APOIO
Martins disputou duas eleições para a Prefeitura: em 2008 teve 32.447 votos e perdeu para Marcelo Barbieri (MDB); e em 2016 teve 28.595 votos, na derrota para Edinho Silva (PT).
Além de Edna Martins, apenas a atual deputada estadual Márcia Lia (PT) concorreu à Prefeitura em 2012, obtendo 41.928, ficando em segundo lugar, atrás de Barbieri.
“Apoio para outros voos na política, para Prefeitura ou outros cargos é uma coisa que nem sempre é possível por parte das mulheres e isso é muito mais natural para candidaturas masculinas, ouvimos muita coisa de bastidor, muito desestímulo para a participação”, falou.
“Não teve nenhum escândalo ou alguma coisa absurda, mas é esse conjunto de comportamentos que vai fazendo com que muitas mulheres se afastem da política, porque é um ambiente ainda bastante hostil”, emendou.
INSPIRAÇÃO POLÍTICA, NOVA GERAÇÃO E O QUE FALTA?
Recentemente, a deputada estadual eleita Thainara Faria (PT) revelou inspiração em Edna Martins. A ex-vereadora disse ter ficado feliz com a lembrança e considerou gratificante.
“Uma das coisas que faz a gente continuar nessa luta de defesa dos direitos das mulheres é justamente inspirar uma geração a continuar participando, segurar esse bastão e seguir adiante. É uma satisfação para mim e ela está trilhando um caminho muito bonito”, avaliou.
Martins revelou ter se inspirado em diferentes figuras que lutaram por mais direito às mulheres e alcançaram feitos inéditos: Luiza Erundina, Yeda Crusius e Ruth Cardoso.
“São várias, mas se pegar na década de 80 tinha a Erundina abrindo porteiras na cidade de São Paulo, uma mulher e nordestina. Essas mulheres fazem com que a gente olhe e pense que também podemos, pois são muito corajosas”, considerou.
“A Yeda Crusios, a primeira governadora, decidida, corajosa e temos a nossa querida araraquarense Ruth Cardoso, que inspirou muita gente. Com muita curiosidade por ela ser de Araraquara, sempre achei bonita sua trajetória, tanto acadêmica como de combate à fome no Brasil”, emendou em referência as suas inspirações.
No último período, a ex-vereadora de Araraquara foi coordenadora estadual de Políticas para as Mulheres na gestão dos governadores João Dória e Rodrigo Garcia, ambos do PSDB.
Para ela, apesar dos avanços alcançados pelas mulheres em todo o País, ainda há um longo caminho a ser percorrido em oportunidades, combate à violência e políticas públicas.
Dados divulgados no Boletim “Elas Vivem” relevou na ultima segunda-feira (6) que o Brasil registrou 2.423 casos de violência contra a mulher em 2022, sendo 495 deles feminicídio.
Significa, segundo o Observatório da Segurança Pública, que uma mulher é vítima de violência a cada quatro horas no Brasil e, São Paulo e Rio de Janeiro concentram 60% do total de casos.
“Precisamos de muita consciência dos governantes, porque a política pública destinada às mulheres é pouco incentivada e tem pouco investimento. Os governos precisam destinar recursos para termos políticas eficazes de combate à violência, que é escandaloso”.
Por fim, Edna Martins falou sobre seu futuro político, uma vez que abriu mão de disputar as eleições de 2022 para seguir na coordenadoria estadual de Políticas para as Mulheres.
“Agora estamos em um momento de conversa sobre o cenário das disputas eleitorais do ano que vem, e estamos conversando no PSDB sobre os nomes que tem oportunidade de disputarem as eleições e não estou fora desse cenário”, concluiu.