Em meio a provocações de torcedores, sátiras criativas e piadas bem intencionadas, a eliminação do Palmeiras na semifinal do Mundial Interclubes deveria servir como mais uma ficha que cai sobre o atual patamar do futebol brasileiro — e sul-americano — em comparação com os outros clubes do mundo.
Nos últimos dez anos, cinco equipes da América do Sul amargaram sua desclassificação antes de chegar à final do torneio. O congolês Mazembe, o marroquino Raja Casablanca, o japonês Kashima Antlers, o árabe Al Ain e, agora, o mexicano Tigres impediram que os clubes do nosso continente disputassem a decisão do campeonato. Nem mesmo o River Plate de Marcelo Galhardo conseguiu passar incólume.
Quando alcançaram a final, com o Santos de Neymar, o Corinthians de Tite, o San Lorenzo do Papa, o mesmo River Plate e o Flamengo de Jorge Jesus, o placar agregado ficou, até essa temporada, em 11 a 1 para os europeus, que estão em todas as decisões do torneio desde que o novo formato da competição foi criado, em 2005. O alvinegro do Parque São Jorge não só foi único a levantar a taça nesse período, como também marcou o solitário gol sul-americano dessa goleada europeia construída à longo prazo. A cabeçada de Guerrero é o gol de Oscar no Minerazo do futebol de clubes continental.
Desse modo, não há lugar para a empáfia quando todos os testes de realidade comprovam que a discrepância do futebol jogado na América do Sul em relação às equipes da Ásia, do Oriente Médio e da América Central é menor do que quando comparamos os clubes sul-americanos com as principais potências do Velho Continente. Considerando os times mexicanos, sobretudo, que eliminaram o Palmeiras com o seu representante, sequer há diferença. O Tigres poderia vencer qualquer clube postulante ao título da Copa Libertadores, sem exceção alguma.
Logo, do mesmo modo que há bom futebol sendo jogado em outras periferias do mundo, é preciso recolocar o patamar atual do futebol da América do Sul. Hoje, a principal missão dos clubes sul-americanos no Mundial Interclubes não é vencer as equipes europeias, mas conseguir chegar à final.
A disparidade com a Europa se explica por um conjunto de fatores. Entre eles, há uma dimensão geopolítica, que faz com que os países mais ricos tenham, consecutivamente, as equipes mais fortes nas modalidades esportivas de maior apelo popular — e, portanto, com maior valor comercial. Com o fenômeno da globalização, aliado à implementação da Lei Bosman, no final de 1995, que permitiu que os jogadores europeus não fossem mais inscritos como estrangeiros em países da União Europeia, abriram-se novos horizontes no mercado de transferência para os clubes com receita superior, criando monopólios de talento e ampliando a desigualdade estrutural em relação aos países periféricos.
Contudo, sobre o futebol brasileiro, existem problemas internos relativos à indústria do futebol que precisam ser corrigidos para que se proteja o jogo praticado no Atlântico Sul. A criação de uma liga, a reorganização do calendário de jogos, a profissionalização da gestão dos clubes, a destituição da oligarquia de conselheiros, a limitação da troca entre técnicos e equipes em um mesmo campeonato, um debate profundo sobre metodologia de treinamento e uso das ciências do esporte e humanas na rotina dos times e, quem sabe, até mesmo a internacionalização da marca dos clubes brasileiros. Esses são caminhos já propostos de um debate que precisa ser fomentado sem totem e tabu.
Porque, entre os axiomas do futebol moderno e o romantismo inerte e conservador, o passado glorioso dos clubes brasileiros é uma roupa que não nos serve mais.