O futebol é filho do espírito do tempo. As transformações sociais, que mudaram as condições em que vivemos em sociedade, ultrapassaram também as fronteiras do jogo. Em um mundo em que a lógica de mercado deixou de operar, exclusivamente, dentro dos limites da economia, e se alastrou por outras esferas da vida cultural, inclusive, criando novos modos de “ser” e subjetividades, o jogo de bola, consecutivamente, deixou de ser o que já foi um dia.
As mudanças são várias. Desde os primórdios da profissionalização, quando os operários ingleses começaram a ser contratados para jogar futebol, os clubes já haviam compreendido que, a partir daquele momento, seriam obrigados a gerar valor para pagar quem eles quisessem que estivesse em campo. Entretanto, atualmente, esse processo foi radicalizado e a cultura desportiva foi sobreposta pela economia de mercado. Nesse sentido, há uma distorção entre meios e fins: os resultados importam, sobretudo, como forma de maximização de rendimentos, o novo objetivo final das entidades esportivas. Do mesmo modo, o torcedor fanático é, progressivamente, expulso das arenas modernas, sendo substituído por consumidores, em partidas que são convertidas em espetáculos para ampliar exponencialmente a arrecadação de recursos.
Além disso, o surgimento de um novo padrão produtivo e tecnológico, que transfigurou as relações de trabalho e a sociabilidade em geral, também causou o nascimento de outro jogo-jogado. O fenômeno da aceleração social, uma resultante dessas transformações, particulariza-se no limite das quatro linhas através da compressão espaço-temporal em que a peleja contemporânea se desdobra. Cada vez mais, o tempo em que um jogador fica com a bola no pé é reduzido, provocando um futebol de poucos toques, de maior intensidade e rapidez, e com novas exigências físicas. São essas as mudanças responsáveis por ressignificar o sentido do que, hoje, é “alta performance”.
Dessa maneira, na produção de novos modos de “ser” e subjetividades, a aceleração social também perturba a nossa sensibilidade. Em uma sociedade onde as pessoas gastam horas a fio passando o dedo em uma tela, com os olhos vidrados em um fluxo contínuo de estímulos que sequer temos capacidade cognitiva para absorver, qualquer coisa que imponha uma experiência em compasso de espera e pausa é considerada desinteressante. Por isso, o jogo não pode ficar atrás do frenesi ansioso ocasionado pela timeline das redes sociais.
A consequência desse processo é um futebol esvaziado em seu aspecto lúdico. Há um desencantamento em curso, em razão da hegemonização da lógica econômica, no mundo da vida e no mundo esportivo. Portanto, se há alguma intenção em criticar o ludopédio comumente adjetivado como “moderno”, é necessário que deixemos de mirar em espantalhos.
O futebol não será outro enquanto a sociedade que vivemos for a mesma.