As abelhas podem ter um papel fundamental nas plantações. Uma pesquisa científica realizada pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) reuniu dados para orientar o uso de abelhas-sem-ferrão para a polinização de hortaliças em ambientes protegidos.
O objetivo do estudo era abordar dois desafios em cultivos protegidos: a aclimatação dos insetos às condições das estufas brasileiras e a oferta insuficiente de colônias para atender à demanda.
Para os experimentos, foram selecionadas três espécies de abelhas-sem-ferrão: a moça branca (Frieseomelitta varia), mandaguari (Scaptotrigona cf. postica) e a mandaçaia (Melipona quadrifasciata).
Estas abelhas possuem tamanhos diferentes, distribuição geográfica ampla e os meliponicultores têm um certo domínio com o manejo delas, o que facilita obter colônias certificadas e, ao mesmo tempo, trocar conhecimento sobre esses insetos. A pesquisa avaliou os comportamentos de cada espécie em relação a diferentes condições de luminosidade e temperatura.
Ao longo de quatro anos, a pesquisa foi desenvolvida em condições controladas (arenas para bioensaios) e em plantios comerciais em casas de vegetação da Fazenda Malunga, empresa de produção orgânica de hortaliças localizada no Distrito Federal.
Com alimentação, temperatura e luminosidade ao gosto das abelhas, os pesquisadores conseguiram encontrar evidências sobre as preferências de cada espécie por cultura.
Para polinizar cem pés de tomate italiano, por exemplo, é necessária uma caixa de abelha-sem-ferrão mandaçaia. Como os produtores costumam cultivar mais de uma variedade, a pesquisadora Carmen Pires, que liderou o estudo, comparou as visitações e a preferência das abelhas com diferentes tomateiros. Entre o tomate italiano e o cereja, as mandaçaias preferiram o primeiro.
Nos bioensaios em arenas, os resultados mostraram que a espécie mandaçaia obteve uma melhor aclimatação e maior busca por recursos a uma temperatura amena de cerca de 23 ºC. A resposta da abelha moça branca foi positiva em situação de maior luminosidade, tendo mais atividade, especialmente a uma temperatura média de 29 ºC. Já as abelhas mandaguari não se acostumaram ao ambiente oferecido nas arenas de bioensaio.
Benefícios das abelhas
Com os resultados dos experimentos, o empresário Joe Valle, proprietário da Fazenda Malunga, decidiu adotar as abelhas-sem-ferrão na polinização dos tomateiros orgânicos cultivados em estufas.
Outro benefício do uso desses insetos é que eles podem evitar, inclusive, o alastramento de fungos nas folhas das plantas. A abelha mandaçaia, por exemplo, apresenta um comportamento chamado de polinização vibratória (buzz pollination). Isso significa que essas espécies, da mesma forma que o soprador, fazem as flores dos tomateiros vibrarem enquanto coletam o pólen. Mas, ao contrário da máquina, não espalham os fungos.
No caso da Fazenda Malunga, os resultados das avaliações da polinização assistida pela abelha mandaçaia, em tomateiros das variedades italiano e cereja, mostraram que houve um incremento de produção nos grupos em que a espécie foi usada.
“Todos os dados foram coletados com acurácia. A polinização das abelhas resultou em um aumento de 20% na produtividade no tomate italiano”, comemora Valle. O empresário enfatiza que o uso das abelhas-sem-ferrão em casas de vegetação, além de ajudar na produção e produtividade, possibilita um mercado aos meliponicultores.
Desafios da pesquisa
Para a pesquisadora Carmen Pires, um dos desafios do estudo foi entender as peculiaridades de cada espécie, cada uma com hábitos, tipos de voo e preferências alimentares próprias. Segundo ela, as abelhas precisam inicialmente se aclimatar ao ambiente da casa de vegetação e, só então, irão visitar e polinizar as flores da cultura-alvo.
Nas casas de vegetação, por exemplo, a aclimatação depende dos materiais de cobertura desses locais, que em geral são feitas com filmes plásticos que filtram, em alguns casos, mais de 90% dos raios UV (ultravioletas). Essa técnica é utilizada para desorientar insetos-pragas.
No entanto, as abelhas-sem-ferrão também orientam o seu deslocamento por meio dos raios UV. Pires reforça que a maioria das casas de vegetação no Brasil não utiliza materiais ideais para as abelhas-sem-ferrão. A equipe constatou que filmes plásticos que filtram cerca de 40% da luz UV proporcionam voos orientados, permitindo que os insetos polinizem as flores e voltem aos ninhos.
Outro fator limitante do estudo foi a falta de controle de temperatura da maior parte dos ambientes cobertos, que acabam ficando quente demais para os insetos. A fim de amenizar o problema, é necessário aumentar o tamanho da casa de vegetação.
“Nós trabalhamos com casas com cerca de sete metros de altura no centro e, assim, conseguimos uma temperatura em que a abelha se aclimata, consegue achar a fonte de recurso e voltar para o ninho. Quando um ninho é colocado dentro de um ambiente fechado, se a temperatura estiver elevada, os insetos sofrem muito e é possível até perder o ninho”, explica Pires.
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