Em meio a novo pico de pobreza e pressão para ampliar programas de renda, pesquisa inédita do Datafolha para a Oxfam Brasil revela que a maioria dos brasileiros hoje é favorável a aumentar a tributação para financiar políticas sociais.
O apoio mais que dobrou desde 2017, saltando de 24% dos brasileiros para 56%. Nove em cada dez acham que reduzir a desigualdade deveria ser a prioridade do governo; e a maioria (68%) acredita que atacar a questão é fundamental para o desenvolvimento.
Com a taxa de pobreza no Brasil no maior patamar em cerca de 15 anos devido à pandemia da Covid-19, o Congresso vem pressionando o governo Jair Bolsonaro (sem partido) a encontrar fontes para financiar um programa de distribuição de renda mais robusto; ou reforçar o Bolsa Família.
O próprio presidente tem interesse, pois sua popularidade vem acompanhando de perto, desde 2020, o pagamento do auxílio emergencial. Quanto maior o benefício, mais brasileiros o aprovam.
No ano passado, o governo chegou a ensaiar a criação do Renda Brasil, que unificaria vários programas sociais.
Mas Bolsonaro enterrou o assunto dizendo que não tiraria dinheiro “dos pobres para dar aos paupérrimos” –pois o programa eliminaria alguns benefícios para assalariados formais de menor renda.
A taxa de pobreza no Brasil, considerando quem vive com menos de R$ 246 ao mês (R$ 8 ao dia), subiu de 11% em 2019 para 16% no primeiro trimestre deste ano.
Os brasileiros na miséria passaram de 24 milhões para 35 milhões, segundo dados da FGV Social.
Em 2020, o pagamento do auxílio emergencial mostrou como programas desse tipo têm impacto imediato: em agosto, no auge do pagamento do benefício mensal de R$ 600, a taxa de miseráveis caiu para 4,6% (10,1 milhões de pessoas), a menor da série histórica.
Entre abril e julho deste ano, enquanto estiver sendo pago o novo auxílio médio de R$ 250, a pobreza extrema deve recuar dos 16% do primeiro trimestre para 13% (28 milhões de pessoas).
A partir de agosto, a tendência é que a taxa volte a subir se a economia não reagir, principalmente para os trabalhadores na informalidade –cujas vagas, dependendo da ocupação, encolheram até 20% em 2020.
Enquanto se discute uma reforma tributária no Congresso, a pesquisa Datafolha/Oxfam revela que um percentual ainda maior de brasileiros (84%) apoia tributar principalmente os mais ricos para financiar políticas sociais.
Na contramão, os mais ricos (com renda acima de cinco salários mínimos, ou R$ 5.500) são os menos favoráveis a isso. Entre eles, a adesão à ideia é de apenas 35%.
Já entre os que ganham até um salário mínimo (R$ 1.100) e que, em tese, poderiam ser beneficiados pelos programas, o apoio vai a 61%.
Segundo cálculos do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) na FEA/USP, cada R$ 100 redistribuídos do 1% mais rico no Brasil para os 30% mais pobres podem gerar uma expansão na renda agregada de R$ 106,70, acelerando o consumo e o crescimento.
O cálculo leva em conta a estrutura distributiva e a propensão das diferentes classes em consumir, em que os 10% mais pobres gastam 90% da sua renda adicional no consumo; e o 1% mais rico, 24%.
Já o aumento do apoio da população em geral à cobrança de mais impostos de toda a sociedade pode ter ligação com a deterioração da situação pessoal dos brasileiros, que se veem mais vulneráveis.
A pesquisa revela que 69% dos brasileiros agora se consideram membros da “classe média baixa” ou “pobre”, um aumento de cinco pontos percentuais em relação a 2019.
Houve redução também na expectativa de mobilidade social, segundo o levantamento –que ouviu presencialmente 2.079 pessoas em 130 municípios do Brasil entre 7 e 15 de dezembro de 2020. A margem de erro da pesquisa é de 2 pontos percentuais, para mais ou para menos.
Para Jefferson Nascimento, coordenador da área de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, o fato de agora a maioria da população aceitar mais impostos sobre a sociedade como um todo (e não apenas sobre os mais ricos) revela que há um entendimento de que novos programas são necessários e que precisam de financiamento para acontecer.
“Parece ter caído a ficha de que é preciso dinheiro para esses investimentos. Há também uma percepção de que o Estado deve ser o responsável por políticas de combate à desigualdade, em linha com o que órgãos como o FMI [Fundo Monetário Internacional] e Banco Mundial vêm colocando”, afirma Nascimento.
Um dos objetivos da pesquisa é inserir o tema na discussão da reforma tributária que eventualmente governo e Congresso venham a perseguir nos próximos meses –para que haja mais equidade na arrecadação e aumento dos recursos para programas contra a desigualdade.
Trabalho do economista Pedro Ferreira de Souza, autor de “Uma História da Desigualdade” (prêmio Jabuti em 2019), mostra que, na comparação com outras regiões importantes (ou mesmo com a América Latina e sul da Europa), o Brasil é o país que menos arrecada tributos via Imposto de Renda –por meio do qual são taxados sobretudo os mais ricos e, predominantemente, os empregados formais.
Ao concentrar grande parte da carga tributária bruta no consumo de bens e serviços, o Brasil acaba onerando proporcionalmente mais os pobres –que consomem quase toda a sua renda.
Enquanto a reforma tributária não avança e com término do novo auxílio emergencial previsto para julho, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), afirmou na semana passada que o Congresso poderá editar medida para prorrogar o programa “por um ou dois meses” –mas sem dizer de onde virão os recursos.
Em 2020, o auxílio foi pago entre abril e dezembro empregando R$ 293 bilhões. A rodada atual prevê inicialmente apenas R$ 44 bilhões (15% do total do ano passado).
O ministro Paulo Guedes (Economia) também tem se movimentado para criar alternativas e já anunciou programas ainda pouco detalhados –e sem esconder a vantagem eleitoral que isso pode proporcionar.
Outra opção é acelerar a reformulação do Bolsa Família, elevando o valor dos benefícios e ampliando o público antes da eleição de 2022.
Em entrevista à Folha, publicada na semana passada, Guedes declarou: “Agora vem a eleição? Nós vamos para o ataque. Vai ter Bolsa Família melhorado, BIP [Bônus de Inclusão Produtiva], o BIQ [Bônus de Incentivo à Qualificação], vai ter uma porção de coisa boa para vocês baterem palma. Tudo certinho, feito com seriedade, sem furar teto, sem confusão”.
Muitos especialistas defendem o reforço do Bolsa Família como o caminho mais efetivo no combate à pobreza.
O programa custa R$ 34,5 bilhões ao ano, alcança 14,7 milhões de famílias e paga, em média, R$ 190 ao mês –valor inferior às médias do auxílio emergencial de 2020 (R$ 600) e deste ano (R$ 250).
Segundo projeções do Made, para cada R$ 100 distribuídos pela via do auxílio emergencial no ano passado, houve R$ 140 de aumento na renda agregada.
No caso do Bolsa Família, por se tratar de pessoas extremamente pobres, o efeito multiplicador é bem maior.
Segundo cálculos do economista Naercio Menezes, do Insper, para cada R$ 1 a mais per capita oferecido pelo programa, o PIB per capita do município onde o dinheiro é gasto aumenta R$ 4 –daí a preferência de muitos especialistas pelo Bolsa Família.