Localizado em frente ao marco zero de Campinas e em uma das regiões mais movimentadas do Centro, o Monumento de Carlos Gomes, na Praça Bento Quirino, completou 117 anos em 16 de setembro, justamente no mês em que o maestro campineiro foi homenageado no município com uma série de eventos.
Mas o que muita gente não sabe é que a escultura foi entregue e inaugurada quase 10 anos após a morte do compositor, que ocorreu em 1896, justamente para receber e guardar o corpo dele. Mais de um século depois, no entanto, será que os restos mortais de uma das maiores figuras da cultura brasileira permanecem neste mesmo lugar?
O historiador e professor da PUC-Campinas, Lindener Pareto, foi ouvido e a Prefeitura de Campinas também foi consultada pela reportagem do acidade on Campinas. Entre as respostas, estão explicações envolvendo relatos históricos e documentos oficiais e até um projeto para proteger mais a obra (veja abaixo).
AFINAL, AINDA ESTÁ LÁ?
A pergunta se os restos mortais de Carlos Gomes estão ainda no local foi feita ao historiador Lindener Pareto, que foi certeiro e firme na resposta. “Sim. A priori, estão. Vieram de Belém pra cá. A história narrada diz que os restos mortais foram trazidos. Nos documentos oficiais, não consta que saíram de lá”, disse ele, que alegou desconhecer outra versão para esse fato.
“Os restos mortais foram colocados ali depois que a tumba-monumento ficou pronta, em setembro de 1905. Não à toa que se trata de uma ‘tumba-monumento’. Não consta em nenhum documento que o corpo tenha saído de lá. Claro que isso não é impossível, mas, pelo que me consta, está lá”, completou.
Para tirar as dúvidas sobre o assunto, a Prefeitura de Campinas foi procurada e respondeu por meio da secretaria de Cultura e Turismo. “Os restos mortais do maestro foram transladados do Cemitério da Saudade em 1906 para o monumento-túmulo e estão lá, jamais foram removidos”, pontua o comunicado.
Sobre a situação atual do patrimônio histórico, que já foi alvo de vandalismo por diversas vezes e já teve parte da iluminação roubada em anos anteriores, a pasta municipal alegou que “no processo da organização do Mês Carlos Gomes”, que se encerra nesta sexta (30), foram feitos comentários sobre esse assunto.
“A secretaria irá levar a ideia à análise do Condepacc (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas) assim que forem feitas demandas deste assunto pelas entidades”, finalizou a assessoria na manhã desta sexta. Um dos projetos considera aumentar a altura da grade que cerca a escultura no Centro.
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SOBRE O MONUMENTO
Homenagem ao maestro Carlos Gomes, autor da icônica ópera “O Guarani”, o monumento foi inaugurado em 1905 e teve a pedra fundamental do local lançada por Santos Dumont, o pai da aviação. A escultura foi assinada pelo artista Rodolfo Bernardelli, considerado um dos maiores escultores brasileiros.
Feito em granito, o monumento conta com uma representação em tamanho real do maestro, como se ele estivesse regendo uma orquestra, e é composto ainda por uma figura feminina na base da obra. Trata-se da cantora lírica Maria Monteiro, que atualmente dá nome a uma importante rua do bairro Cambuí.
A representatividade da figura localizada aos pés de Carlos Gomes, no entanto, possui um contexto maior que pode ser relacionado a uma série de obras de arte e interpretações daquele e de outros períodos históricos, de acordo com Pareto.
O historiador da PUC-Campinas cita entre os exemplos o quadro “A liberdade guiando o povo”, do pintor Eugène Delacroix (1789-1863), que usou uma figura feminina para representar a liberdade e abordar a Revolução Francesa.
“A representação feminina significa liberdade, significa república. É uma representação que vai se tornar lugar-comum nas repúblicas. Aquela mulher representa também a Princesa d’Oeste, que é a cidade de Campinas”, define.
Perguntado sobre a importância de esculturas como o monumento de Campinas para as sociedades da época, Lindener cita que a ideia é criar uma “advertência ao passado glorioso” para a concepção de uma identidade nacional. Essa realidade acontece ao longo do século XIX e perdura até o início do século XX.
“Quando a Revolução Francesa e as independências das Américas estão acontecendo, é preciso forjar ‘novos campeões’ que não sejam reis e ligados à Igreja. No caso do Brasil, após a Independência, é uma monarquia parlamentar. O nacionalismo precisa de uma legitimação e precisa de um patrimônio que faça o povo lembrar o passado e legitime essa nova ordem”, relembra o professor.
Com isso, a intenção do governo do estado de São Paulo ao encomendar a obra com o maior escultor da época, foi exaltar a história paulista e campineira.
QUEM FOI CARLOS GOMES
Nascido em Campinas em 11 de julho de 1836, Carlos Gomes se tornou o mais importante compositor de ópera brasileiro após se destacar com apresentações na Corte, no Rio de Janeiro. Com o sucesso, chamou a atenção, se tornou amigo e recebeu o apoio do Imperador Dom Pedro II, que o ajudou a estudar e construir carreira na Europa. No continente, inclusive, foi o primeiro compositor brasileiro a ter obras apresentadas no Teatro alla Scala, na Itália.
Na opinião do historiador Lindener Pareto, porém, a figura dele vai além. “É emblemática porque marca o símbolo de uma potência cultural. Síntese do Brasil que estava nascendo. A gente pode considerar que esse Brasil, independente em 1822, se consolida na segunda metade do século XIX, exatamente no mesmo período em que Carlos Gomes ascende na carreira. A história dele acompanha a construção de uma identidade nacional”, explica Pareto.
Além de “O Guarani”, que alcançou sucesso internacional, e de outras óperas renomadas, o campineiro também escreveu peças musicais. Entre elas, “Fosca”(1873), “Maria Tudor” (1878), “O Escravo” (1889) e “Condor” (1891) .
Para Lindener Pareto, apesar de ter a vida pessoal conturbada, com contradições e dores Carlos Gomes é “imortal”, pois está no panteão dos heróis nacionais. Ele morreu em 16 de setembro de 1896 em Belém do Pará, mas seu nome continua ecoando como emblema da cultura e da identidade do Brasil.
“Carlos Gomes é ainda hoje um dos maiores nomes da cultura brasileira. Ele sintetiza a potência da cultura plural e marcada pela miscigenação. Na música, como maestro, ele é uma espécie de intérprete da alma em construção do país, que era muito jovem na época em que ele surgiu”, finaliza o historiador.
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