Uma pesquisa realizada pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em parceria com o Museu da Cidade de Campinas e o LNLS (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron), utiliza, pela primeira vez, o acelerador de partículas Sirius para analisar fragmentos de cerâmicas indígenas da região de Campinas e os elementos que os compõem.
O estudo foi coordenado pelos professores Pedro Paulo Funari e Filipe Noé da Silva, do IFCH (Instituto de Filosofia e Ciências Humanas) da Unicamp, e partiu de uma iniciativa de Sofia Rodrigues, na época, estudante do curso de História. Nas análises, foram utilizados fragmentos de itens que compõem os acervos do Museu da Cidade de Campinas e do Museu Municipal Elisabeth Aytai.
AS PEÇAS
As peças de cerâmica conservam suas características originais por longos períodos e, por isso, são tradicionais objetos de estudo na Arqueologia. Com a análise realizada por meio da luz síncrotron do Sirius, foi possível identificar tanto os elementos químicos que compõem as peças estudadas quanto os pigmentos utilizados em sua confecção.
“É muito simbólico que materiais tão antigos da história da cidade sejam analisados pelo acelerador de partículas Sirius, a tecnologia mais moderna de Campinas. É o futuro abraçando o passado”, disse Flavia Callefo, paleontóloga e integrante da equipe científica da linha de luz Carnaúba, estação experimental onde os testes foram feitos.
Por meio da pesquisa, foram analisados quatro fragmentos de peças de cerâmica indígena Tupi-Guarani pré-históricas, ou seja, anteriores à colonização portuguesa. Os artefatos foram encontrados em 1960 por Desidério Aytai, que se dedicou ao estudo antropológico e arqueológico dos povos indígenas que habitavam a região de Campinas.
De acordo com os pesquisadores, várias hipóteses podem surgir a partir da análise das cerâmicas. A presença de cálcio nos fragmentos, por exemplo, pode indicar que o material utilizado para confecção da peça foi extraído de sambaquis, depósitos de conchas e material orgânico feitos por indígenas e importantes sítios arqueológicos de regiões litorâneas.
A descoberta poderia ser um indício de que indígenas passaram pela nossa região, possibilidade que já é reforçada pela proximidade da área com o antigo Caminho de Peabiru, trilha que um dia ligou o atual litoral paulista à região de Cusco, no Peru.
Além disso, ao comparar as camadas externas e internas dos fragmentos, também é possível obter noções sobre como eram as práticas de manufatura dos indígenas e o processo de cozimento das peças de cerâmica.
ACELERADOR DE PARTÍCULAS
O uso da luz síncrotron de um acelerador de partículas em análises arqueológicas ainda é uma novidade no Brasil. A tecnologia funciona como um grande microscópio de alta precisão, que permite o exame em níveis subatômicos da estrutura interna dos materiais estudados, revelando aspectos importantes do arranjo e comportamento de suas partículas.
“A luz síncrotron tem maior sensibilidade, nos dá informações referentes a componentes em nível traço. Com ela, temos uma resolução espacial e espectral muito maior. Em obras de arte, por exemplo, é possível ver o que o artista pintou primeiro na tela e depois apagou. São detalhes muito sutis”, conta Callefo. O estudo das cerâmicas indígenas é o primeiro da área de humanidades a ser realizado no Sirius.