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CotidianoDepois de mais de um ano de pandemia, a vida parece um déja vu

Depois de mais de um ano de pandemia, a vida parece um déja vu

Aqui em casa, não costumava ter coisa engordurada para lavar, mas com a chegada da pandemia dei de fritar pastéis

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Fabiana Guerrelhas, terapeuta analítico-comportamental (Foto: Arquivo Pessoal)

 
Divago enquanto tomo meu café da manhã. O menu é sempre o mesmo: suco de laranja,
metade de um pão francês torrado com manteiga e café com dois dedinhos de leite. Café da
manhã é a melhor refeição do dia. Eu seria capaz de tomar café da manhã no almoço e no jantar.
Suco de laranja, metade de um pão francês torrado com manteiga e café com dois dedinhos de
leite, de manhã, de tarde e de noite. 

Sentada na mesa da cozinha, de frente para a pia, vejo uma montanha de louça que se
equilibra no escorredor. Como dona de casa experiente, aprendi essa arte que começa pela
lavagem. Na ordem: pratos rasos, de sobremesa, potes, copos, xícaras e talheres. Panelas e
coisas engorduradas ficam por último. Depois de lavados, pratos são enfileirados nos vãos que
foram feitos para eles, copos de cabeça para baixo no assoalho do escorredor, talheres no
recipiente próprio. Objetos maiores são acomodados em cima dos pratos. 

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Aqui em casa, não costumava ter coisa engordurada para lavar, mas com a chegada da
pandemia dei de fritar pastéis. Agora, sempre tem uma frigideira em cima dos pratos.
A louça empilhada que eu vejo, agora, é de ontem. Foi sábado, e teve pastel. Se não
fosse a pandemia, eu teria comido fora em um boteco qualquer ou iria na casa de alguém.
Saudade de ir na casa das pessoas ou no boteco. Quando a gente come fora, não tem que lavar
louça. 

Com os olhos vidrados em direção à pia, coloco pedacinho por pedacinho de pão na
boca e tenho uma sensação de déjà vu: “já vivi essa cena”, pensei. Faz um ano que eu não saio
dessa cozinha. “Dejavú ou dejaví?” Queria fazer aulas de francês e voltar para as de inglês, mas
online, não rola. 

O escorredor nunca mais ficou vazio e toda semana tem pastel. Nos sugeriram fazer
coisas que a gente gosta para compensar o isolamento e não ficarmos completamente malucos.
Reinventar, aprender novas habilidades, se conectar às pessoas pelo computador ou pelo
celular. Achei que me aperfeiçoar na arte de secar a louça seria uma boa. Bullshit. Um ano, um
ano! Já nem me lembro mais de como se fala inglês e vou ficar obesa de tanto comer pastel.
Ainda mirando no objeto de arte formado pela louça empilhada, penso em como este
ano está passando rápido ao mesmo tempo em que sinto uma aflição em pensar que,
provavelmente, vai demorar muito para isso tudo acabar. Até quando ficaremos distantes de
tudo e de todos, confinados dentro das nossas cozinhas? 

Há tempos dizemos que a vida está passando rápido demais: “nem vi esse mês passar”;
“quando percebi já era sexta-feira de novo”; “outro dia foi a Páscoa, já está chegando o Natal”;
“acabei de lavar a louça do almoço e já estou colocando a do jantar para secar”. 

Lembrei de uma matéria na revista Superinteressante que dizia que, segundo o
periódico “The Telegraph”, a Terra está girando mais rápido, pois um fenômeno relacionado às
marés e a mudança na distância entre a Terra e a Lua causam variações diárias na velocidade de
rotação do planeta. Mas além dessas questões, digamos, astronômicas, a forma como vivemos
nosso dia-dia baliza ou orienta nossa relação com a passagem do tempo. Quando estamos muito
atarefados e fazendo tudo no modo automático o tempo passa e nós nem nos damos conta. Se
estamos vivendo uma condição tensa, a tendência é correr com o tempo e fazer de tudo para
sair da situação. E se o sentimento predominante é a ansiedade, nos projetamos lá no futuro,
deixando de prestar atenção no momento presente. 

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Degustar meu café da manhã é um ato que me acalma, e conjecturar sobre a louça tem
sido um bom exercício de atenção plena. Quase um ato de meditação, que, dessa vez, foi
interrompido pela chegada da minha filha na cozinha. 

Coloquei um pedacinho de pão na boca, mastiguei e o engoli com o último gole de suco.
Dei um beijinho de bom-dia em sua testa. Faço isso desde que as meninas eram bebês. Ela disse
que acordou ao sentir o cheiro do meu café. Se sentou ao meu lado, de frente para a pia e
elogiou a maneira como eu arrumo as louças no escorredor. E perguntou quando iríamos comer
pastel novamente.

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