Doença que atinge ao menos 40 mil brasileiros e de difícil diagnóstico, a esclerose múltipla é uma enfermidade neurológica, crônica e autoimune, em que as células de defesa do organismo atacam o próprio sistema nervoso central, provocando lesões cerebrais e medulares. Pode comprometer os sistemas visual, sensitivo, motor e de coordenação. A atriz Ludmila Dayer, de 39 anos, revelou nesta semana ter sido diagnosticada.
Não há cura para a doença e o tratamento consiste em atenuar os sintomas e desacelerar a progressão da enfermidade que geralmente acomete jovens adultos, principalmente mulheres entre 20 e 40 anos, de acordo com a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla.
Ludmila Dayer, conhecida por participar de Malhação entre 1995 e 2000, foi diagnosticada após um ano de investigação. Os primeiros sintomas haviam sido notados em 2020.
“Geralmente, o pico de acometimento da doença é no adulto jovem, a partir dos 20 anos, quando podem aparecer os pequenos surtos. Uma porcentagem pequena vai iniciar a doença após os 50 anos. Abaixo dos 18 anos, a incidência também é muito baixa”, esclarece Gabriel Bienes, coordenador do serviço de Neurologia Clínica do Hospital Leforte Liberdade.
Inicialmente, a atriz percebeu perda na cognição e visão e passou a sentir fraqueza com frequência. “Era um sintoma atrás do outro e, por isso, fui procurar o médico. Não conseguia enxergar direito, minha fala não acompanhava os meus pensamentos Tinha problemas de memória e muitas dores no corpo. Ia de um cômodo para o outro e não lembrava o que tinha ido fazer”, postou nas redes sociais.
Segundo a atriz, uma suspeita é de que a esclerose múltipla tenha sido desencadeada pelo vírus EBV (Vírus Epstein-Bar), que pode ser transmitido pela saliva, por transfusões de sangue e por meio do contato com objetos contaminados. Ainda não há consenso científico sobre o papel do vírus como desencadeador da doença.
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O que é esclerose múltipla?
Conforme a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla, é uma doença neurológica, crônica e autoimune, ou seja, as células de defesa do organismo atacam o próprio sistema nervoso central, provocando lesões cerebrais e medulares.
Embora a doença ainda seja de causas desconhecidas, a esclerose múltipla tem sido foco de muitos estudos no mundo todo, o que tem possibilitado constante e significativa evolução na qualidade de vida dos pacientes geralmente jovens adultos, principalmente mulheres entre 20 e 40 anos. É até três vezes mais comuns em mulheres do que homens.
Por que a doença se manifesta?
De acordo com a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla, a perda de mielina (substância cuja função é fazer com que o impulso nervoso percorra os neurônios) leva à interferência na transmissão dos impulsos elétricos e isto produz os diversos sintomas da doença.
“É uma doença no qual ocorre um ataque do nosso sistema imunológico de defesa, a bainha de mielina, uma camada protetora que a gente tem que envolve os axônios, que são parte dos nossos neurônios. Esse ataque a essa bainha de mielina atrapalha na comunicação entre os neurônios, entre os neurônios e os músculos, os nervos propriamente ditos”, explica Gabriel Bienes, coordenador do serviço de Neurologia Clínica do Hospital Leforte Liberdade.
Com a desmielinização, ocorre um processo inflamatório que culmina, no decorrer do tempo, no acúmulo de incapacitações neurológicas. Os pontos de inflamação evoluem para resolução com formação de cicatriz (esclerose significa cicatriz).
Como é o diagnóstico da doença?
É importante que em caso de suspeita, a pessoa procure um neurologista o quanto antes, que é o especialista indicado para tratar da doença. O mesmo levará em conta alguns critérios, como evidência de múltiplas lesões no sistema nervoso central, assim como solicitará a realização de exames.
Não há exames específicos para esclerose múltipla. O diagnóstico depende da exclusão de outras patologias que podem produzir sinais e sintomas semelhantes de outras doenças neurológicas, conhecidos como diagnóstico diferencial.
Assim, é importante o médico avaliar o paciente, realizar exame neurológico e ver seu histórico. O exame de ressonância magnética do crânio pode ajudar a confirmar o diagnóstico.
“O sintoma mais comum, de longe, é a fadiga. Por exemplo, é uma fadiga crônica e depois chama a atenção em relação as alterações da fala, da deglutição, sintomas de equilíbrio e alterações visuais”, acredita o neurologista Mauricio Hoshino.
Na prática, o diagnóstico da esclerose múltipla pode demorar anos pela falta de conhecimento sobre a patologia, por seus sintomas serem inespecíficos no começo.
Quais são os sintomas mais comuns?
A esclerose múltipla pode se manifestar por diversos sintomas. “São bem variáveis porque dependem do local do sistema nervoso central onde teve a lesão, o ataque a bainha de mielina. Podem ser desde formigamento que acontece nos braços ou nas pernas, região do tórax e em geral, duram mais de 24 horas. Até sintomas como fraqueza de um braço ou uma perna. Pode provocar também dificuldade visual, com visão embaçada de um dos olhos, prejuízo que dura alguns dias, assim como visão dupla, que seria causada pela dificuldade de fixar o olhar”, acrescenta Bienes.
Em caso onde há lesão na medula espinhal, pode ocorrer alteração urinária, de incontinência até retenção urinária, assim como sintomas nas duas pernas ao mesmo tempo.
“Muitos pacientes também relatam em fase inicial dores musculares pelo corpo (com rigidez e fraqueza sem relação com atividade física), cansaço (fadiga crônica, desproporcional à atividade) e dificuldades em andar. Alguns relatam dificuldade com equilíbrio e balanço corporal. Em outros pacientes, pode haver sintomas com dificuldade de memória, concentração”, acrescenta Marcus Pai, fisiatra e médico acupunturista e diretor do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA).
Há cura para a doença? Como é o tratamento?
Não tem cura. O tratamento consiste em atenuar os sintomas e desacelerar a progressão da doença, ajudando o paciente a ser independente e ter vida mais confortável.
De acordo com a Associação Brasileira de Esclerose Múltipla, os tratamentos medicamentosos disponíveis para a doença buscam reduzir a atividade inflamatória e os surtos ao longo dos anos, contribuindo para a redução do acúmulo de incapacidade durante a vida do paciente. Além do foco na doença, tratar os sintomas como os urinários e a fadiga.
Além das terapias de neurorreabilitação, existem terapias de apoio que podem auxiliar no tratamento do paciente, aumentando a qualidade de vida. Entre elas, estão: neurologia, psiquiatria, medicina preventiva e urologia.
Já as terapias complementares promovem a harmonia física e emocional, ajudando no aspecto psicológico e de autoconfiança e aceitação. Já no aspecto físico, ajudam a aliviar dores, melhorando a força e a flexibilidade.
A mudança na alimentação ajuda?
Alguns estudos recomendam evitar alimentos com baixa qualidade nutricional, como carne processada, carboidratos e bebidas com excesso de açúcar para manter estilo de vida saudável e facilitar a reabilitação do paciente. Em geral, contribuem para o controle dos sintomas, mas não como um fator que vai evitar ou alterar diretamente a progressão da doença.
A doença pode ser desencadeada pelo vírus EBV (Vírus Epstein-Bar)?
Esse vírus é da família do herpes vírus, um vírus comum. Muitas infecções pelo EBV são assintomáticas, ou seja, a pessoa não sente nada. Em alguns casos, pode estar associada com mononucleose (doença do beijo).
“A infecção pelo EBV pode aumentar a chance de ter esclerose múltipla, por alterar a resposta autoimune da pessoa. Assim, o sistema imune da pessoa começa a atacar o próprio sistema nervoso”, afirma Pai.
Já Hoshino lembra que desde os primórdios, sempre se pensou na presença do Vírus Epstein-Bar como um fator que atuaria sobre o sistema imune estimulando a produção desses anticorpos contra si mesmo.
“O problema é que a presença do vírus, muito comum na população, não necessariamente causa sintomas e muito menos alterações na parte imunológica. Nunca foi possível até hoje provar o papel do vírus como um fator etiológico em relação a esclerose múltipla”, diz.
Mulheres com esclerose múltipla podem engravidar?
Elas podem engravidar, mas em razão do tratamento é importante consultar o neurologista para ter informações sobre a interrupção de medicamentos. A restrição de remédios também pode ocorrer no período pós-parto. Desta forma, se for uma gravidez planejada, é aconselhável já falar com o médico que realiza acompanhamento para esclerose múltipla.