De acordo com um estudo da Rede Internacional de Ouvidores de Vozes (Intervoice), cerca de 2% a 4% da população mundial ouvem vozes. Em Ribeirão Preto, o Grupo de Ouvidores de Vozes é aberto ao público todas as quintas-feiras, às 14 horas, no Caps-III, chamado Dr. André Santiago, na rua Pará, 1280, no bairro Ipiranga. Os encontros on-line acontecem todas as quintas-feiras pela manhã (para ver mais, clique aqui).
O grupo de Ouvidores de Vozes é um espaço onde os membros trocam experiências e estratégias para lidarem com essas vozes. A prática terapêutica é baseada no suporte de pares, que propõe para pessoas que passam pela mesma situação discutir suas experiências com seus pares.
A abordagem mais comum para o tratamento de pessoas que ouvem vozes é a medicação, mas “uma porcentagem importante, mesmo sob uso de medicação, continua a ouvir vozes”, afirma Clarissa Mendonça Corradi-Webster, professora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, coordenadora do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicopatologia, Drogas e Sociedade (LePsis) da USP e pesquisadora do tema.
Ela alerta para a falta de opção de cuidados para essa parcela da população, por isso o Grupo de Ouvidores de Vozes de Ribeirão Preto é considerado um espaço onde essas pessoas podem conversar com seus pares sem que sofram preconceitos ou sejam alvo de estigmas. “O grupo é apontado pelos ouvidores como o único espaço que eles têm para conversar sobre uma experiência que, tantas vezes, toma um espaço muito grande em suas vidas.”
Quando as pessoas chegam ao grupo, relata a professora, sabem que “estão entre iguais e o que elas disserem será compreendido e não será julgado”. É um ambiente em que trocam experiências e compartilham suas histórias e estratégias para o manejo das vozes. Por isso é um grupo de pares, porque “o objetivo não é que o profissional dê um significado para aquilo, interprete o que está sendo dito ou ensine aos membros o que fazer”, afirma. O objetivo é que os pares se fortaleçam e, com isso, construam uma rede de apoio para as pessoas que passam pelas mesmas circunstâncias.
Essa proposta terapêutica é comum em países da Europa e da América do Norte, informa a professora, mas nos países da América Latina ainda se encontra em fase inicial. No Brasil, os pesquisadores notam que “tem um potencial muito grande”, avalia Clarissa.
Em Ribeirão Preto, o Grupo de Ouvidores de Vozes existe desde 2015. O grupo foi concebido inicialmente por membros do LePsis, após uma formação com o psiquiatra holandês Marius Romme, precursor da prática terapêutica, e Paul Baker, membro do Intervoice. A proposta foi apresentada e implementada no Centro de Atenção Psicossocial (CAPs). Embora disponham de acompanhamento profissional, o intuito é de que os membros desenvolvam autonomia para que possam fazer a coordenação e se apropriar do espaço como um grupo de suporte entre pares.
Além da psicopatologia
Embora algumas pessoas que procuram o serviço possuam algum diagnóstico psiquiátrico, ouvir vozes é considerado um “fenômeno mais amplo que a psicopatologia”, explica Clarissa. O professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, João Paulo Machado de Sousa, diz tratar-se de um “fenômeno natural”, que não está inserido apenas em contextos de doenças e transtornos psiquiátricos, mas que pode estar associado a contextos culturais e religiosos. Contudo, se acontecer fora desses contextos, “merece atenção médica e psicológica”, adverte o especialista.
*com Agência USP