Recentemente, comemoramos o Dia Internacional da Língua Portuguesa. E, sempre que descobrem o professor de Português que me habita, as pessoas se queixam, dedo em riste, que “falamos muito mal, professor!”
Foi o que aconteceu ontem. Eu estava na fila da padoka e uma senhora, apressada, me descobriu, depois de pedir “pão francês” e um “croissant” para a atendente de balcão. Aliás, a palavra balcão vem do italiano “balcone”.
Ela estava apressada porque o filho a esperava no carro. Logo mais ele a deixaria em casa e iria jogar futebol de quadra com os amigos. Apressada, mas ainda teve tempo de destilar seu “cancelamento” aos que maltratam a língua de Camões.
– Professor, como a nossa língua anda desprestigiada, não? Agora é um tal de delete, sale, on-line, onde vamos parar? Outro dia mesmo, vi um outdoor e tinha um reclame sobre um novo shampoo para pet. Pode um descaso destes, professor, chamar animal de estimação de pet?
Enquanto ela se apressa, perceberam, leitores, que ela pediu “pão francês” e um “croissant”, viu em um “outdoor” um “reclame” de “shampoo” e só reclamou do estrangeirismo “pet”?
Sem querer, ela falou seis palavras estrangeiras de uma tacada só e não se deu conta de que as línguas se beijam, os idiomas se tocam, num lindo processo de troca, cuja influência tem mais a ver com o poder de mando da economia do que o purismo linguístico.
Até na Câmara dos Deputados, teve alguém que já quis estancar os estrangeirismos. Em 1999, o deputado Aldo Rebelo quis proibir o uso de “holding”, “recall”, “coffee-break”, “self-service”, entre tantas outras expressões porque eram alienígenas. Isso deu até tema de redação da Fuvest no ano seguinte.
Na época, escrevi ao deputado, perguntando se no banheiro de sua casa tinha bidê. Se ele comia alface, e se na salada ele punha azeite. E, de quebra, perguntei se, em um casamento, na rodada de champanhe, que vai de mesa em mesa, ele chama o garçom para servi-lo. Que ele não me tomasse como um atrevido, mas perguntei se sua mulher usava sutiã. Por fim, eu avisei que não adiantava querer mudar a “história” da língua, porque todas estas palavras, que achamos nossas, vieram do árabe, do francês, de tantos outros idiomas. Inclusive a palavra “história”, “filosofia”, “gramática” e “matemática” vieram do grego.
Ou seja, leitores, a língua é um ser vivo como nós. Se somos influenciados pelo que lemos e pelos amigos e mentores, ela também é influenciada pela convivência com outras línguas. E a língua que falamos vai sendo modificada com o passar dos tempos. Hoje falamos mentoria disso ou daquilo, coach para cá e lá, delivery, ifood, streaming, entre tantas outras expressões, que amanhã desaparecerão e virão outras e outras.
E a senhora da padoka? Ia adiantar perguntar a ela se ela sabia a origem da expressão “pão francês” ou “croissant”? E ela estava tão indignada por não falarmos o português raiz que fiquei com medo de dar “spoiler” das duas últimas palavras que ela me disse. Pediu licença, pois estava com pressa, o filho a esperava para tomarem café e ele ia jogar futebol de quadra, lembram?
Não adiantaria dizer que “café” vem do turco, com passagem pelo holandês; e “futebol”, bem, não ia adiantar falar que vem do inglês porque o filho era corintiano, eu sou palmeirense, e ela ia me ofender dizendo que ando sabendo demais, mas que gostaria de saber se o Palmeiras tem mundial.
Eu desconversaria e diria que “mundial” é palavra que veio do latim e poria um ponto final na conversa, como ponho um ponto final neste texto. Humpf!