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CotidianoNo inverno de Ribeirão teve calor, angústia e fumaça no ar

No inverno de Ribeirão teve calor, angústia e fumaça no ar

Queimadas, baixa umidade e ondas de calor têm gerado um mal-estar generalizado. Físico e mental

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Fabiana Guerrelhas, terapeuta analítico-comportamental (Foto: Arquivo Pessoal)

  
Desde que me mudei para Ribeirão Preto, há vinte anos, nunca vi um clima tão
ruim. Mesmo sendo paulistana, não me lembro de ter respirado um ar tão seco e poluído.
Quando corro na rua, às vezes, cruzo com algum caminhão soltando fumaça de óleo
diesel, o que é horrível. O ar que estamos inalando, neste setembro, parece pior. O céu
não é mais azul, é uma mistura de cinza e vermelho. A grama não é mais verde, está tudo
cor de palha. As roupas que usamos ao ar livre ficam cheirando fumaça, como se
estivéssemos perto de uma fogueira ou de um fogão à lenha. Estradas são bloqueadas por
causa dos incêndios, lavouras completamente perdidas, animais, desalojados, procuram
refúgio nas cidades. Perto de casa, apareceu um lagarto enorme, parecia um jacaré. Li no
jornal que alguém topou com um tamanduá no quintal. 

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Queimadas, baixa umidade e ondas de calor têm gerado um mal-estar
generalizado. Físico e mental. A gente não sabe se a dificuldade para respirar é por causa
do clima ou por angústia. E quando há um acontecimento de grande impacto coletivo,
como este, meus clientes chegam à sessão relatando sentimentos muito ruins relacionados
ao fato. Além de todo sofrimento ligado a esta Pandemia interminável, nos deparamos
agora com mais uma condição que nos enfraquece psicologicamente. Parece que o tempo
nublado por causa da fumaça entra dentro da gente, como naquelas depressões sazonais
que acometem os moradores de países em que predominam os dias cinzentos. 

Vocês ouviram falar sobre uma possibilidade de tsunami, aqui, no Brasil? Era só
o que me faltava. Alguém acompanhou o último relatório da ONU sobre o clima, dizendo
que os prejuízos ambientais causados pelo aquecimento global já são irreversíveis? Que
medo! Pensar num futuro com temperaturas ainda mais elevadas, com mais secas e mais
catástrofes naturais é muito assustador. 

Bem, o que fazer então diante de um cenário apocalíptico? Opção 1: desesperar-se. 
Opção 2: negar o problema e fingir que nada está acontecendo. Opção 3: a mais
recomendável, porém a mais difícil, mudar o comportamento. Disse, agora há pouco, que
existe uma angústia coletiva diretamente relacionada a estarmos vivendo em condições
adversas. Por um lado, não há muito o que fazer, além de respeitar esse sentimento,
entendê-lo e administrá-lo, e a psicoterapia é um lugar de excelência para se fazer isso. 

Outra medida é promover ações, mesmo que pequenas, que tenham alguma conexão com
o problema, ou seja, controlar o que pode ser controlado. Já que estamos falando do 
malestar causado por condições climáticas, fazer coisas, como lavar e reciclar o lixo útil da
sua casa ou economizar energia e água, escolher materiais não poluentes e consumir
produtos de empresas que respeitam o meio ambiente, pode gerar aquela sensação
satisfatória de tarefa cumprida, que, certamente, irá concorrer com a angústia. Além disso,
o planeta agradece. 

Porém, sei que o problema é muito mais complexo e exige medidas de outra
magnitude e que seu manejo depende de políticas governamentais. Mas não podemos
desprezar o poder de cada pessoa. Em tese, todo comportamento é social. Qualquer
atitude de um indivíduo se entrelaça com as ações de outros indivíduos, produzindo uma
grande rede. As transformações da sociedade são também decorrentes desse
entrelaçamento. 

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Como uma otimista incorrigível, quando vejo pessoas da nova geração cheias de
gás, boas ideias e atitudes concretas consigo enxergar luz no fim do túnel. A jovem
ativista, Greta Thunberg, é um exemplo. Antes mesmo de completar dezoito anos,
alcançou o microfone da ONU para puxar a orelha de líderes de nações, como Brasil,
França e Alemanha, cobrando mudanças em relação à contenção do aquecimento global. 

Qualquer analista do comportamento, esteja ele onde estiver, pode ser um vetor
de aprendizagem de padrões comportamentais sustentáveis. De acordo com Rodrigo Dal
Bem e Julio Camargo, da Universidade Federal de São Carlos, Camila de Melo e
Guilherme Figueiras, da Universidade Estadual de Londrina, os psicólogos ambientalistas
ligados a contextos institucionais e governamentais têm sugerido que atitudes que
protejam o meio ambiente podem ser alcançadas por meio de ações educativas e criação
de sistemas de recompensa. Mas isso não é nenhuma novidade, pois a ideia de que o
comportamento só muda, se for alterado o contexto no qual ele ocorre, é o alicerce de
qualquer intervenção comportamental. Sei que é fácil falar, mas difícil de fazer. Como
diz Beto Guedes, na música “Sol de Primavera”, “a lição sabemos de cor, só nos resta
aprender”. 

Embora ainda exista quem pense que a preocupação com questões ambientais seja
coisa de “ecochato”, ou uma manobra da esquerda para nos distrair de assuntos mais
importantes, somos todos responsáveis em lutar por nossa sobrevivência no planeta.
Sendo assim, com ou sem angústia, precisamos atravessar esta nuvem espessa e este calor
insuportável, para criarmos um mundo minimamente sustentável. Que venha a primavera
e com ela, a chuva.

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