Assistir à cena do Rodrigo Hilbert comendo pedacinhos de placenta após o
nascimento de sua filha caçula foi uma decepção. Não achei nada romântico e, muito
menos, sexy. Na verdade, me deu até ânsia de vômito. Já escutei os antigos falarem que
as puérperas deveriam tomar a água do umbigo da criança, ato que, “graçasadeus”, caiu
em desuso há muito tempo, mas de placentofagia eu nunca tinha ouvido falar. Soube
que ela vem sendo praticada por celebridades como Kourtney Kardashian e Bela Gil e
que o objetivo da nojeira autofágica, que para mim faz fronteira com o canibalismo, é
turbinar a nutrição e prevenir depressão pós-parto. Oi?
Aliás, o próprio Rodrigo, tido como um príncipe encantado da nova geração, tem
me deixado enfastiada. Não podemos negar que, pelo que tudo indica, Fernanda Lima
tem um marido invejável: ele construiu com as próprias mãos a capela onde se casaram;
cozinha divinamente (sem frescura); mantém a cozinha (que ele também construiu) em
ordem; serve comida de verdade com gordura, açúcar e bebida alcóolica (tudo o que
realmente ingerimos); não desperdiça alimentos; é simpático com os convidados; brinca
com as crianças; é gentil com os mais velhos e valoriza a cultura nacional. E além de ser
gato e parecer apaixonado, deve levar um bom dinheiro para casa no final do mês.
Tenho achado tudo isso um pouco demais, o que contribui para o meu
empanzinamento. Muito perfeitinho para o meu gosto.
E por falar em príncipe encantado, faz tempo que o padrão oferecido pelos
contos de fadas não atende mais às demandas femininas. Não estamos mais
adormecidas ou presas na torre do castelo esperando alguém para nos salvar, nós
mesmas vamos à luta e queremos mais. O filme Shrek, animação da DreamWorks do
começo dos anos 2000, apresenta comicamente esta realidade. Na história, o Encantado
não está com nada, já que a princesa Fiona se apaixona mesmo é pelo ogro, que apesar
de gordinho, flatulento e com aparência assustadora é um ótimo amante, bom caráter,
trabalhador e excelente pai. Simples assim.
De tempos em tempos, as mulheres que eu atendo em meu consultório
aparecem encantadas por novos príncipes. Em 2015, Christian Gray, o protagonista do
romance “50 tons de cinza”, abalou muitos casamentos. O personagem, um jovem mais
que milionário, bonito, poderoso, carente e adepto a práticas sadomasoquistas, se
apaixona por uma de suas submissas. A história, aparentemente boba e até machista,
fez um grupo enorme de mulheres questionarem a qualidade de seus relacionamentos.
Ao se apaixonar por Anastasia, Christian usa todo o seu sofisticado repertório em
matéria de sexo para oferecer à moça, muito prazer, além de cuidado, sustento e
dedicação. O livro, na época, foi considerado o “pornô das mamães”. Qualidade literária
à parte, vendeu milhões de cópias e virou filme, no meu entender, por conta de seu
conteúdo, diria, didático. Muitos casais, com essa espécie de manual em mãos,
alimentaram a libido e apimentaram a relação.
Fui apresentada, recentemente, a James Alexander Malcom MacKenzie Fraser,
herói da série “Outlander”. O enredo não me interessou muito, mas como o
protagonista tem aparecido no discurso de muitas amigas e pacientes, resolvi conhecer
mais detalhadamente as características do rapaz. Segundo consta, Jamie (para as
íntimas) é um bruto escocês do século XVIII, considerado tudo de bom pelo conjunto da
obra: ele é bonito; forte; sensível; sedutor; fiel; ingênuo; másculo, romântico; provedor;
defensor; respeitoso; humilde; honesto; líder e guerreiro. É um homem que foge dos
estereótipos, tem “sex appeal” (pegada), coragem e ternura. E como protagonista de
um bom romance, entra em nossa cabeça como o parceiro ideal.
Importante dizer que tudo o que venho escutando sobre os príncipes do mundo
moderno saiu da boca de mulheres comprometidas e bem-casadas. Mulheres de todas
as idades que sonham com Rodrigos, Christians e Jamies, se permitem ter fantasias e
valorizam o próprio prazer como algo imprescindível e como elemento fundamental na
qualidade de suas relações. Vocês conhecem o Emiliano da série mexicana da Netflix,
“100 dias para enamorarnos”? É o personagem interpretado pelo ator argentino David
Chocarro. Lindo de morrer!
Fernanda Lima, a esposa do Rodrigo Hilbert, apresentava “Amor e sexo”, um
programa de entretenimento da TV Globo sobre relacionamentos e sexualidade. Uma
das consultoras responsáveis pelo conteúdo do programa é a Dra. Regina Navarro Lins,
uma sexóloga experiente. Seu livro, “Novas formas de amar” é leitura fundamental para
quem quer se aprofundar no entendimento das questões sexuais e amorosas da
atualidade. Ela nos convida a refletir sobre a transformação do amor romântico, embora
este tema não seja exatamente uma novidade. Outros sexólogos e terapeutas de casais
muito renomados, como José Ângelo Gaiarsa, Carmita Abdo, Flávio Gikovate e Lidia
Rosenberg Aratangy falam sobre isso, no mínimo, desde a década de 1980. Outra forte
referência contemporânea sobre estes assuntos é a querida psicóloga Ana Cristina
Canosa. Além de ser terapeuta, professora, palestrante e escritora ela tem uma coluna
sobre sexo no canal Universa do UOL, que discute o protagonismo feminino.
Rodrigo e Fernanda têm posado como um casal que atingiu a perfeição, o que
pode ser conferido no programa “Bem juntinhos” do GNT, em que entrevistam
convidados e falam de si. Acho até bonita a mensagem de harmonia amorosa que eles
transmitem e torço para que grande parte do que eles aparentam seja mesmo verdade.
Porém, acredito que o modelo apresentado por eles é utópico e sua conduta bastante
improvável na vida real. Além disso, enfatizar imagem do casamento perfeito acaba
contribuindo negativamente para a idealização dos relacionamentos e para alimentar
expectativas impossíveis de alcançar.
Talvez fique uma ideia de uma parceria (heterossexual) que só pode ser bem-sucedida
se for composta por um homem com todas as habilidades do Rodrigo e uma
mulher com a disposição e a abertura da Fernanda, sendo que existem mil maneiras,
diferentes das convencionais, de se manter uma parceria saudável.