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CotidianoPandemia: Morre ou mata-se no Brasil?

Pandemia: Morre ou mata-se no Brasil?

Kit covid, samba das vacinas, novela das emendas bilionárias, projeto não use máscara e asfixia coletiva

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Rodrigo Stabeli, Pesquisador Titular da Fiocruz, professor de Medicina da UFSCARe consultor da OPAS/OMS

Caros leitores, sentiram minha falta? Tenho certeza que os haters do Facebook sim! Afinal de contas, está cada vez mais difícil sustentar notícias mentirosas com relação à Covid-19, como tratamento precoce, uso de cloroquina, ivermectina, caseína, colchicina, uso de máscaras e vamos xingar a China.

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Eis me aqui, depois de um tempo andando pelo norte do país, contribuindo um pouco para mitigar a catástrofe e o sofrimento que todos nós estamos presenciando, especialmente em Manaus. Mas, o fenômeno que começamos a presenciar há um ano no país, começa a se repetir nos estados mais vulneráveis, como Rondônia, Roraima, Amapá e por aí vai. A Amazônia legal concentra 60% do território nacional e possui apenas 2% dos leitos de UTI de todo o país. Se não tem leito, não tem quem o conduza. E não, você já percebeu que não adianta dizer “eu mandei dinheiro” ou, “a culpa não é minha” quando o problema a ser enfrentado é uma desigualdade histórica que demanda tempo, gestão e vontade política para resolvê-la. Será que existe? Leia até o final.

Aliás, parece que nosso filtro para fatos verdadeiros (pleonasmo, sim) parece ter se dissolvido de nosso cérebro e, foi junto com a empatia, por sinal. Então é importante lembrá-lo que, no começo de dezembro, o governador do Amazonas cedeu à pressão e voltou atrás com as medidas mais restritivas no combate à Covid-19. Valeu a pena ter praias, lugares turísticos e restaurantes abertos no período pré-festas de final de ano? Agora, o Amazonas amarga mais de cinco semanas de caos absoluto. Tudo fechado! Está proibido transitar na cidade após as 18 horas. As mesmas medidas estão sendo aplicadas em Rondônia. Comércio e restaurantes, somente no delivery.

Será que veremos esse filme no estado de São Paulo? Certamente não sentiremos colapso do sistema de saúde. Mas, continuaremos assistindo a elevação sistêmica do número de mortos e internações. Porque fazer medidas mais restritivas em um final de semana apenas é o mesmo que se preparar para ir de São Paulo a Paris no sábado e voltar no domingo logo seguinte. Vai conseguir no máximo tomar um café de 30 euros no saguão do aeroporto. Medidas desse jeito faz com que o café do comerciante aqui no estado fique mais é amargo.

Vamos insistir na tragédia da morte anunciada? Aprendamos com os estados colapsados. Se você pegar Covid-19 nesses estados, reze. Se evoluir para uma “gripezinha, dado o seu histórico de atleta”, comemore. Se necessitar de uma UTI, poderá morrer afogado, asfixiado em sua própria insuficiência respiratória. Sabe aquela brincadeira que todos nós já fizemos um dia na piscina? Aquela de mergulhar completamente a cabeça e contar os minutos ou segundos que conseguimos ficar sem respirar. Você começa a sentir uma sensação de desespero, seu coração acelera, seus olhos se abrem. Mas você quer testar o seu limite e chega uma hora em que não consegue mais segurar e mesmo antes de colocar a cabeça para fora, você inspira água e se engasga.

Que alívio, ao colocar a cabeça para fora e dar aquela puxada de ar inflando a todo vapor os seus pulmões. Você até sente uma leve queimadinha por dentro, devido a aspiração de água com cloro. Quem está morrendo sufocado tem a mesma sensação que a sua brincadeira. A diferença é que essas pessoas, centenas delas, continuam sufocando-se morbidamente em seu próprio pulmão edemaciado. O musculo responde mas o pulmão não. A dor é imensa! O ar não chega e a ajuda também não.

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Mortes por asfixia tem acontecido ainda em série lá na nossa tão sucateada Amazônia. Muitas delas acontecem em casa. Na frente da família. Muitos dos que morreram tomaram azitromicina, ivermectina, cloroquina como preventivo. Foi a recomendação nacional. Inclusive, vários municípios de Rondônia e Amazônia chegaram a adotar essas medidas desde o início do tão famigerado protocolo do Ministério da Saúde. Adiantou?

Houve um dia em que uma unidade de saúde sofreu desabastecimento de oxigênio por cinco minutos apenas; esses cinco minutos foram suficientes para que os pacientes de uma ala inteira desse hospital morressem asfixiados.

Daí eu te pergunto, nobre leitor: Você acha mesmo que qualquer profissional de saúde que se prese não teria adotado as medidas preventivas ou de tratamento se elas realmente existissem? Aqui não cabe política, e o que acontece no Amazonas é um verdadeiro genocídio, que poderia ser minimizado se a Covid-19 fosse levada a sério em nosso país.

E o caos amazônico não é a única consequência dessa minimização. A minimização da doença fez com que ficássemos no fim da fila da vacinação. E falando nela, mal começamos e já tivemos fura fila, privilégios, desvios. Jeitinho brasileiro, né? As doses que estão disponíveis para o Brasil colocam nossa nação em risco. A vacinação que deveria ter sido considerada prioridade, munição de guerra, objeto de preservação do Estado e da vida, virou chacota nacional, e foi, pasmem-se, sucateada pela frase “se tomar vacina e virar jacaré não tenho nada a ver com isso”. Faz uma pesquisa rápida aí no Google e você vai encontrar que morte por queda de galho na cabeça é mil vezes mais provável do que morrer por consequência de uma das vacinas disponíveis no Brasil. Que aliás, não é diferente das muito mais de 10 doses de vacinas que você já tomou na sua vida e que, provavelmente, o deixou vivo até hoje nesse mundo de infecções e vírus diversos.

Nós insistimos em ir na contramão, né? Uma aglomeraçãozinha aqui, outra ali. “Ah mas é porque tenho direito”. Isso é verdade, mas deveria ter consciência também. A nossa falta de educação é estrutural, assim como o racismo no Brasil. Nossa falta de discernimento de fatos e boatos é tão precária, que as mais absurdas notícias mentirosas passam batidas e viram verdades a serem seguidas. Quase mantra. Vimos micareta inclusive na vitória das eleições para as presidências da Câmara e do Senado Federal.

Além do custo de quase dezenas de bilhões de reais em emendas, os quais poderiam comprar a totalidade de doses para a imunização de todo o país, vimos o Congresso dando o exemplo do que não se fazer. Abraços, dancinhas, trocas de agressividade e no final, uma comemoração que parecia copa do mundo. Tinha até um sujeito erguendo uma bíblia gigante pelas mãos.

Que retrato covil de um país falido, sem perspectivas de combate à Covid-19; enquanto se comemorava uma eleição bilionária, morriam mais de 1000 pessoas naquela mesma noite.

Aliás, falar em aglomeração é sinônimo de chance de novas infecções, que é chance de novas mutações do novo coronavírus. Essa semana estamos presenciando mutações importantes que podem, inclusive, fazer com que o vírus escape da vacina.

Será que seremos nós, o país falido, negacionista, folclórico, desigual que protagonizará a mutação de uma linhagem que escapará da vacina? E de quem será a culpa?

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