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CotidianoViolência obstétrica: manobra Kristeller e episiotomia não indicada

Violência obstétrica: manobra Kristeller e episiotomia não indicada

As estatísticas de vítimas de violência obstétrica nos hospitais brasileiros são alarmantes: 1 em cada 4 mulheres é vítima deste tipo de violência

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Renata Pinheiro Amador Villela é advogada especializada em direito civil com ênfase em contratos

Como mãe de uma linda anjinha que nos deixou há quase 4 anos, mãe de UTI que fui pelos melhores e mais dolorosos 41 dias da minha vida e mãe de um bebê arco-íris, que ressignificou toda a minha vida e me ensinou a maternar de forma mais leve e até mesmo um pouco despretensiosa, me solidarizo imensamente com outras mulheres que se encontram grávidas, puérperas ou mesmo aquelas que sofreram um abortamento.

A possibilidade que nós mulheres temos de gerar outra vida sempre me fascinou. Justiça seja feita, o papel dos “pais” é, de fato, fundamental e, geneticamente falando, tão importante quanto o da mãe. Porém, verdade seja dita, a mulher carrega literalmente as “dores e as delícias” de ver se desenvolver um novo ser em seu ventre. Ouso dizer que os aspectos psicológicos e hormonais dessa “empreitada” são bastante desafiadores.

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Como não bastasse essas questões inerentes à natureza humana, desde os primórdios, fazendo referência até mesmo ao momento anterior ao da assistência médica, Carmem Simone Grilo Diniz¹  observa que a própria Igreja Católica descrevia o sofrimento no parto como desígnio divino, verdadeira pena pelo pecado original. Essa interpretação dificultou sobremaneira qualquer apoio que aliviasse os riscos e as dores do parto.

Com o passar do tempo essa concepção, felizmente, fora alterada e a medicina tomou seu lugar, passando a cuidar da parturição por meio de uma preocupação mais humanitária. Podemos dizer, sem medo de errar, que a busca pela humanização de todo o processo gestacional, nele englobado as consultas pré-natais, o próprio parto, o pós parto e os tristes casos de abortamento, tem como objetivo precípuo a redução de qualquer sofrimento ao qual as parturientes possam estar expostas.

Ainda assim, as estatísticas de vítimas de violência obstétrica nos hospitais brasileiros são alarmantes: 1 em cada 4 mulheres é vítima deste tipo de violência². Não raras vezes ouvimos relatos de gestantes que sofreram a manobra Kristeller ou a episiotomia não indicada, foram submetidas a cesariana eletiva sem indicação clínica ou sem o seu consentimento, tiveram negada a analgesia mesmo quando tecnicamente indicada, foram ameaçadas e passaram por humilhações e ofensas em razão da sua condição de parturiente.

Infelizmente, essas questões são muito pouco debatidas no Brasil, sendo pouco reconhecidas como verdadeiros atos ilícitos passiveis de sanções cíveis e criminais, haja vista que as próprias vítimas, por vezes não se reconhecem como alguém cujos direitos foram violados. LIMA e ALBUQUERQUE³  atribuem tal fenômeno a “um aspecto cultural, como pelo próprio desconhecimento das atitudes que a caracterizam, ou seja, os comportamentos discriminatórios contra a mulher nos locais de cuidado à saúde, aliados à falsa legitimidade de dominação do profissional sobre a paciente proporcionam um ambiente em que, ressalvados os casos extremos, os atos discriminatórios são entendidos como naturais e indissociáveis do parto.” Neste ponto, importante que se faça uma consideração: mormente nos difíceis tempos de pandemia que vivemos, os profissionais da saúde merecem toda a nossa gratidão e reconhecimento, sendo que a análise do presente artigo se refere única e exclusivamente aos casos excepcionais de profissionais que destoam da regra geral e violam os direitos das pacientes.

Neste sentido, a seara jurídica, vem, timidamente se ocupando das diversas nuances deste tema tão delicado, mas também tão importante. A definição legal pioneira de “violência obstétrica” foi trazida pela lei venezuelana, no ano de 2007. Numa tradução literal, diz que: “Se entende por violência obstétrica a apropriação do corpo e processos reprodutivos das mulheres pelos profissionais de saúde, através do tratamento desumanizado, abuso da medicalização e patologização dos processos naturais, causando a perda da autonomia e capacidade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres”.

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No Brasil, infelizmente a ausência de legislação específica ainda é fator dificultador, muito embora, timidamente exista uma evolução, como é o caso da Lei 11.108/2005, que garante à gestante o direito a um acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Ainda assim, frente à uma situação de violência obstétrica, seja ela moral, física ou psicologica, as condutas dos profissionais da saúde podem, facilmente, se amoldar a tipos penais já existentes, como Constrangimento ilegal, Ameaça ou Maus-tratos. Já na esfera cível, a questão é tratada a título de responsabilização civil e comporta a fixação de indenização pelos danos sofridos.

Neste sentido, importante que a parturiente busque seus direitos, seja senhora e protagonista do seu parto, faça valer a sua vontade e, na infeliz hipótese de violação dos seus direitos, perquira os caminhos necessários à punição dos responsáveis, bem como ao recebimento da indenização cabível. É chegada a hora de extirpar de vez, seja do Sistema Único de Saúde, seja dos hospitais particulares, condutas que violam os direitos das mulheres, mormente estes relacionados ao dom divino de ser mãe.  
 
 
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1 DINIZ, CSG. Humanização da Assistência ao Parto no Brasil: os muito sentidos de um movimento. Ciência & Saúde Coletiva. 2005.
2 Fundação Perseu Abramo 
3 LIMA, ACA; ALBUQUERQUE, RT.A violência moral obstétrica no processo gestacional, de parto e abortamento e o amparo da mulher no ordenamento jurídico brasileiro. V.3, n. 1, (2019), Edição Ordinária. Disponível em https://abdc.emnuvens.com.br/abdc/article/view/32.
4 Ley orgânica sobre el derecho de las mujeres a una vida libre de violencia

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