Quando estava no primeiro ano da faculdade, um professor, conhecido por fumar
maconha com os alunos, entrou na sala de aula e nos disse: “acabei de tomar um ácido e
gostaria que vocês anotassem todas as alterações em meu comportamento”. Não vi nada
demais, só que ele estava falando mais devagar que o habitual. Depois de um tempo, ele
foi desligado do corpo docente. No excelente filme dinamarquês “Druk: mais uma
rodada”, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, quatro professores de ensino
médio reproduzem um tal experimento em que têm que manter uma certa dose de álcool
no sangue, ficando embriagados o tempo inteiro, para melhorarem suas performances.
O uso de substâncias que mudam nosso estado emocional ou de consciência,
incluindo o álcool, está em pauta e não é de hoje. Consumir algo para ficar alegrinho,
chapado ou doidão é absolutamente comum em todas as sociedades e em todos os tempos
da História. A questão tem sido analisada nos contextos moral, político, criminal, legal e
da saúde. O professor de Psiquiatria e Psicologia afro-americano, Carl Hart, da
Universidade de Columbia, defende a descriminalização de todos os tipos de drogas,
alegando que qualquer pessoa tem direito a buscar a felicidade através do uso de
substâncias químicas. Ele revelou, inclusive, que a heroína é a sua preferida. Polêmico!
Usar drogas recreativamente sempre foi um tabu e, atualmente, muito tem se
falado sobre seus efeitos medicinais e terapêuticos. Há muitos centros de pesquisa no
mundo todo testando substâncias contidas em drogas clássicas como, por exemplo, a
maconha (THC e CDB) e o ácido lisérgico (LSD), no controle de diversas doenças.
Sidarta Ribeiro, professor titular Universidade Federal do Rio Grande do Norte, também
estuda os princípios ativos da maconha desde 2007 e tem divulgado os benefícios de seu
uso no tratamento de várias doenças neurológicas e psiquiátricas, como a Epilepsia, o Mal
de Parkinson, Alzheimer, o Transtorno de estresse pós-traumático e a Esquizofrenia. A
USP de Ribeirão Preto, que tem a maior produção científica brasileira sobre substâncias
extraídas da Cannabis, publicou recentemente que o CBD tem sido utilizado com sucesso
contra a Síndrome de Burnout, transtorno relacionado à exaustão emocional. Promissor!
Vou dar só um pouquinho de spoiler para comentar uma série bacana que aborda
o assunto. “Nove perfeitos desconhecidos”, da Amazon Prime, relata as transformações
emocionais vividas por nove pessoas em um retiro de luxo. A princípio, todos têm o
objetivo de participar de atividades comuns de bem-estar, como meditação, alimentação
natural e dinâmica de grupo, porém descobrem que a líder dos procedimentos, que é,
ninguém menos, que a deusa Nicole Kidman, escolheu o grupo a dedo para testar métodos
pouco ortodoxos de cura psicológica, o que inclui drogá-los, sem que eles saibam, com
gotas de psilocibina, uma substância alucinógena extraída de cogumelos. Conforme a
trama se desenrola, os participantes vão resolvendo questões muito profundas, como a
dificuldade de superar o luto pelo suicídio de um familiar, a dependência de analgésicos
e traumas amorosos.
Programas desse tipo não são exatamente uma novidade. Muitas pessoas
participam de imersões de autoconhecimento, como o clássico Processo Hoffman, e de
rituais religiosos milenares que envolvem o uso de chá de Ayahuasca e chá de Santo
Daime, com o objetivo de resolver problemas emocionais. Soube recentemente, ao assistir
uma live com os queridos amigos psicólogos, Yara Nico e Pedro Quaresma, que existe
um campo novo na ciência psicológica, a “Psicoterapia Assistida por Psicodélicos” (a
conversa está disponível no canal do Instituto Agir e Pensar, no Youtube). Trata-se do
uso coadjuvante de substâncias contidas em plantas e fungos para fins psicoterapêuticos.
Os pesquisadores usam protocolos que incluem sessões de psicoterapia misturadas ao
consumo controlado de alucinógenos que produzem alterações específicos nos estados de
consciência. Os resultados das pesquisas já apontam efeitos revolucionários no controle
de Depressões resistentes e Transtorno de estresse pós-traumático. Os estudos revelam
que ter acesso às profundezas da mente, através dos psicodélicos, promove mudanças de
perspectiva e insights transformadores.
Vejo este campo de investigação com entusiasmo e parcimônia. Desde que me
conheço por terapeuta analítico-comportamental, questiono a mistura de procedimentos
místicos com a psicoterapia. Mais que isso, posso dizer que abomino as práticas
“pseudoterapêuticas” que seduzem quem está sofrendo emocionalmente com promessas
milagrosas. O perfil “dicas.anticoach”, do Instagram, tem sido um ótimo fiscal desses
procedimentos obscuros e anticientíficos. Compartilho com eles a ideia de que só
podemos confiar nas práticas psicológicas quando baseadas em evidências. Fico, então,
contente que alguns pesquisadores corajosos tenham levado essas drogas, tão comuns nas
festinhas e viagens universitárias, para as bancadas acadêmicas, de um jeito mais
sistemático do que fez, aquele meu ousado professor.
A psicoterapia é como um bolo, cujos ingredientes são: um cliente (no mínimo),
um terapeuta (no mínimo), conhecimento teórico e técnico e habilidades pessoais. Seu
modo de preparo implica em juntar cliente e terapeuta, misturar conhecimento com
habilidades e promover interações favoráveis. Quando tudo isso dá certo, o produto são
mudanças no padrão de comportamento, autoconhecimento, aceitação, melhora da
autoestima, aumento do repertório e autocontrole. Se a ciência comprovar que colocar
algum ingrediente “mágico” resulta em um bolo melhor, vamos nessa!