Um projeto desenvolvido pelo Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP, em parceria com escolas públicas dos ensinos fundamental e médio, tem contribuído para a formação de estudantes mais preparados, por meio de atividades que desafiam os jovens a resolverem situações-problema em classe.
Com o apoio da universidade, professores da rede estadual aplicam nas aulas uma estratégia de ensino chamada “Abordagem Investigativa”, na qual os alunos assumem o protagonismo e aprendem fazendo. Depois de trabalharem conceitos teóricos em livros e apostilas, como é comum no ensino tradicional, os alunos vão para a prática.
Para estudar sobre ângulo e transformações de energia, por exemplo, alunos das Escolas Estaduais Marivaldo Carlos Degan e Luis Viviane Filho, ambas localizadas no bairro Cidade Aracy, em São Carlos, e duas das instituições que integram o projeto do Instituto, construíram carrinhos de garrafa pet movidos pela reação química entre vinagre e bicarbonato. Neste processo, a turma é estimulada a levantar hipóteses e questionamentos como “Qual a melhor proporção dessa mistura para o deslocamento do veículo?”, “Por que o ar desloca o carrinho?”, “Qual o peso ideal que o carro deve ter?” e, por fim, “Qual o melhor ângulo para o lançamento?”. Validando essas possibilidades e resolvendo esses problemas, os alunos aprendem conceitos de ciências, química e matemática, brincando.
“Quando o gás sai pela garrafa, o veículo se movimenta. Ou seja, a classe vê a conversão da energia cinética em energia mecânica acontecendo”, relata Nicolas Martins, professor que implementou a atividade na Escola Marivaldo Carlos Degan e participa do projeto do IQSC.
O docente afirma ainda que, como os estudantes colocam a mão na massa, o engajamento é muito maior e a aprendizagem se torna mais efetiva. “A gente deixa de lado um pouco a aula expositiva, giz e lousa, e o professor se torna um mediador que ajuda os jovens a investigarem e aprenderem. Pode ser qualquer questão que envolva atividades do nosso dia a dia. A gente ainda usa vídeos, podcasts e textos para as aulas ficarem mais interessantes. Eles adoram”, conta.
O projeto de construção do carrinho foi realizado em parceria com o professor Moisés Pedro da Silva, da Escola Luiz Viviani Filho.
A professora Ana Cláudia Kasseboehmer, docente do IQSC e coordenadora do projeto batizado de EducAção, conta que, num primeiro momento, alguns estudantes têm dificuldades, medo de pensar ou falar algo e serem repreendidos, mas depois que compreendem a ideia, pedem que outras aulas com o mesmo perfil sejam realizadas. Ela explica que a metodologia desenvolve o raciocínio lógico, exercita a curiosidade intelectual, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade.
“A classe vai adquirindo autonomia no seu processo de aprendizagem. Os professores levam as turmas para os laboratórios e entregam materiais com itens que eles vão usar e outros que eles não precisam. São os grupos que pensam e definem o que vão utilizar e de que forma. Eles aprendem a analisar o que é certo ou errado e a argumentar. É muito parecido com a maneira como os cientistas trabalham. Esse tipo de atividade pode ser aplicado em todas as áreas do conhecimento e em todos os níveis educacionais”, ressalta a especialista, que coordena o Laboratório de Investigações em Ensino de Ciências Naturais (Linecin) do IQSC.
Apesar da “Abordagem Investigativa” ainda ser pouco difundida nas salas de aula brasileiras, a metodologia é parte da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e do Currículo Paulista. Em São Carlos, por meio da parceria com a USP que ocorre desde 2019, a estratégia está presente nas Escolas Estaduais André Donatoni, Ludgero Braga, Dona Aracy Leite Pereira Lopes e Marivaldo Carlos Degan. “Nós ensinamos os professores a desenvolverem atividades com os alunos. Na verdade, esse projeto surgiu a partir de um outro curso de formação na área de educação. Foram eles próprios que tiveram interesse em conhecer a “Abordagem Investigativa”, recorda Ana Cláudia.
A professora da USP reconhece que no início muitos educadores que hoje participam da iniciativa conheciam pouco sobre a estratégia. Com o projeto, o professor Nicolas, por exemplo, passou a ter um domínio maior do modelo de “Abordagem Investigativa”: “Apesar de conhecer a literatura, eu não dominava a prática”, lembra. Ana afirma que não basta a exigência no currículo, é preciso formar os docentes. “Não adianta só ensinar a teoria da abordagem, precisamos instruir os professores sobre a aplicação, considerando todos os obstáculos da realidade do sistema público de educação brasileiro. Temos que trabalhar aquilo que a formação inicial não dá conta”, conclui.
O distanciamento social provocado pela pandemia de Covid-19 alterou os planos do projeto e todos os encontros de formação passaram a ser online. A mudança atraiu mais participantes, que antes não podiam comparecer. No primeiro semestre de 2021, 60 professores chegaram a se envolver com as atividades promovidas pelo IQSC. O projeto ainda contribui para a formação dos licenciandos da USP futuros profissionais da educação básica. Segundo Ana Cláudia, a universidade pública só tem sentido se puder provocar mudanças efetivas na sociedade. “Na minha área de pesquisa, buscamos propor melhorias para elevar a qualidade da educação pública do Brasil. Além disso, é um campo importante para aproximar os estudantes da universidade”, defende.