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CotidianoUFSCar investiga acúmulo de mutações no DNA mitocondrial com a idade

UFSCar investiga acúmulo de mutações no DNA mitocondrial com a idade

Mitocôndrias, as estruturas celulares responsáveis pela produção de energia, são diferentes das demais organelas da célula justamente por possuírem material genético próprio

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Mitocôndria sendo envolvida pelo autofagossomo (Imagem: Julio C. B. Ferreira / ICB/USP)
Mitocôndria sendo envolvida pelo autofagossomo (Imagem: Julio C. B. Ferreira / ICB/USP)

Várias doenças associadas ao envelhecimento – como Alzheimer, Parkinson, alguns tipos de diabetes e câncer – são consideradas multifatoriais, ou seja, surgem devido a um conjunto de fatores, sem uma causa única. Dentre estes fatores, um pouco conhecido é o acúmulo de mutações no DNA mitocondrial observado em pessoas com mais idade. Pesquisa desenvolvida no Departamento de Genética e Evolução (DGE) da UFSCar e publicada no dia 27 de fevereiro no periódico Autophagy traz indicações importantes de como esse acúmulo acontece, o que pode contribuir para melhor compreensão dessas doenças e, assim, na busca por prevenção e tratamentos mais eficazes.

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“É cada vez mais evidente o acúmulo de mutações no DNA mitocondrial em humanos com a idade, particularmente no fígado. Hoje sabemos que todas as pessoas possuem mutações no DNA mitocondrial. Porém, como temos múltiplas moléculas de DNA mitocondrial em cada célula, o que importa é a porcentagem de moléculas mutantes em relação às moléculas normais, que chamamos de selvagens. É uma porcentagem alta de moléculas mutantes que prejudica o funcionamento das mitocôndrias e, assim, pode levar ao aparecimento de doenças”, explica Marcos Roberto Chiaratti, docente do DGE e coordenador do Laboratório de Genética e Biotecnologia (LaGenBio).

Mitocôndrias, as estruturas celulares responsáveis pela produção de energia (dentre outras funções), são diferentes das demais organelas da célula justamente por possuírem material genético próprio, o DNA mitocondrial, transmitido apenas pela mãe e, assim, diferente do DNA nuclear. O genoma mitocondrial é especialmente propenso a mutações, que podem levar às chamadas doenças mitocondriais primárias – ou seja, causadas fundamentalmente pela mutação e independentes da idade da pessoa – ou secundárias – que são justamente as condições frequentemente associadas, dentre outros fatores, ao acúmulo de mutações no genoma mitocondrial da pessoa idosa.

Em parte das pessoas, a predominância do DNA selvagem faz com que mutações potencialmente deletérias não acarretem defeitos bioquímicos e manifestações clínicas. No entanto, os problemas aparecem a partir de um certo limite que, conforme indica o estudo desenvolvido na UFSCar, pode ser atingido devido a falhas no mecanismo de autofagia que emergem com a idade. É como se, até um certo ponto, o organismo fosse capaz de “jogar fora” o DNA mutado, em uma espécie de controle de qualidade que, com o tempo, deixa de funcionar adequadamente.

O trabalho, intitulado “Autophagy deficiency abolishes liver mitochondrial DNA segregation” [Deficiência na autofagia elimina a segregação de DNA mitocondrial no fígado], revelou o importante papel da autofagia – processo de autodestruição da célula, para reciclagem de seus componentes – na seleção do genoma mitocondrial dominante no fígado de camundongos.

Os animais, usados como modelo do que acontece no organismo humano, continham dois tipos de DNA mitocondrial, identificados como NZB e BL6. Esses tipos não são mutantes, mas a existência dos dois imita a coexistência de DNA selvagem e DNA mutante em humanos, chamada de heteroplasmia.

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Uma das etapas da pesquisa verificou que a variante mais eficiente em termos de produção de energia, a NZB, se acumulou no fígado dos camundongos com a idade – o que é esperado, já que a autofagia opera para manter a condição que beneficia os indivíduos.

Em outra etapa, os pesquisadores impediram o funcionamento do mecanismo de autofagia (por meio de interferência no funcionamento de gene essencial à ocorrência da autofagia) e, neste caso, o acúmulo não aconteceu.

Estudos anteriores haviam descartado o mecanismo de replicação como responsável pela predominância de um DNA, eventualmente mais eficaz no processo de replicação, sobre outro com menor taxa de replicação. Por isso, os pesquisadores da UFSCar buscaram verificar o papel de mecanismos envolvidos no outro extremo, a degradação, neste processo.

Agora, resta a questão se a autofagia também é o mecanismo que leva ao acúmulo do DNA mutante em humanos, e já há pesquisas em andamento no grupo de Chiaratti para buscar a resposta, em estágio avançado. No entanto, neste caso, não teríamos a autofagia selecionando o que é pior para o nosso organismo – o acúmulo de DNA mutante. “Não faria sentido a autofagia selecionar o que é pior. Por isso, acreditamos que o envelhecimento torne a autofagia ineficiente e, assim, tenhamos o acúmulo do DNA mutante”, situa Chiaratti.

Caso venha a se confirmar o mecanismo da autofagia como responsável pelo acúmulo de DNA mitocondrial mutante em humanos, uma implicação é a possibilidade de usar fármacos moduladores da autofagia no tratamento de algumas doenças.

Outra implicação diz respeito a procedimentos de reprodução assistida que utilizam óvulos de doadoras para evitar a transmissão de doenças mitocondriais da mãe para a criança. Nesses procedimentos – autorizados apenas na Inglaterra até o momento -, é mantido o DNA mitocondrial da doadora, mas se implanta o DNA nuclear do pai e da mãe da futura criança no óvulo doado. São as chamadas “crianças de três pais”. “No entanto, no processo de implantação do DNA nuclear no óvulo, um resquício do DNA mitocondrial também é carregado. Com o mecanismo que evidenciamos, o que inicialmente pode ser 1%, 5% de DNA mitocondrial mutado, com o tempo pode virar 80%, 90%, e o indivíduo passar a apresentar a doença primária associada àquela mutação”, explica o pesquisador da UFSCar.

A pesquisa reportada no artigo tem como primeira autora Katiane Tostes, graduada em Biotecnologia pela UFSCar, que realizou a pesquisa durante a sua iniciação científica, com bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Além de outros pesquisadores vinculados ao DGE, colaboraram autores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, do Cedars-Sinai Medical Center e da Escola de Medicina da Universidade de Stanford, as duas últimas instituições nos Estados Unidos.

O grupo de Chiaratti segue atuando com foco nas doenças mitocondriais, principalmente as primárias, mas, cada vez mais, também as secundárias. “Nós ainda conhecemos pouco sobre essas doenças, mesmo sendo tão comuns. À medida que conhecemos mais da contribuição mitocondrial para elas, especialmente as chamadas doenças metabólicas, passamos a também colocá-las no nosso leque de interesses”, conta o pesquisador.

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Bruno Moraes
Bruno Moraeshttps://www.acidadeon.com/saocarlos/
Bruno Moraes é repórter do acidade on desde 2020, onde faz a cobertura política e econômica. É autor do livro “Jornalismo em Tempos de Ditadura”, pela Paco Editorial.
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