BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo trabalha para aliviar o gasto em 2022 com precatórios, despesa que pode impedir planos do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de turbinar o Bolsa Família no ano eleitoral. A ideia é apresentar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) para mudar o fluxo dos pagamentos motivados por sentenças judiciais ou buscar conciliações nos processos, o que deve ser mediado pelo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luiz Fux.
O gasto da União por decisões da Justiça pode alcançar R$ 90 bilhões no próximo ano, valor acima dos cerca de R$ 54,7 bilhões previstos para 2021. O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse na sexta-feira (30) que um “meteoro” poderia “atingir a terra” e que era preciso “disparar um míssil” para evitar a colisão. Ele se referia a estas despesas.
O governo esperava um aumento, mas a previsão de despesas com precatórios surpreendeu a equipe econômica. Em nota, Fux disse que atuará nas conversas sobre mediação das dívidas da União reconhecidas pela Justiça.
“A necessidade de conciliação para não prejudicar os cofres públicos foi tratada em conversa entre o ministro Fux e o ministro da Economia, Paulo Guedes. A partir de agosto, os moldes dessa negociação serão definidos e informados à sociedade”, disse o ministro. Fux deve ter reuniões com lideranças do Congresso e do governo nas próximas semanas sobre o tema.
O tribunal ainda afirma que a inclusão dos precatórios na previsão de Orçamento não significa que o governo deverá desembolsar todo o valor já em 2022. “A União pode utilizar mecanismos alternativos de prazos e de pagamento previstos na Constituição ou celebrar acordos de parcelamento com os estados mencionados.”
Já a PEC em análise poderia prever novas formas de parcelar as dívidas ou impor limites de pagamentos a cada ano. O texto ainda está em discussão.
A aprovação de uma emenda constitucional exige votos favoráveis de três quintos dos deputados (308) e dos senadores (49), em dois turnos de discussões na Câmara e no Senado.
Somente oito processos que transitaram em julgado no STF recentemente renderam R$ 16,6 bilhões em despesas à União. “Os casos envolvem ressarcimento a estados da federação (Paraná, Goiás, Bahia, Maranhão, Amazonas, Ceará e Pernambuco), e tratam sobre conflitos de repasses de valores para educação ou compensações por geração de energia elétrica, por exemplo”, disse o Supremo, em nota.
O aumento dos gastos por sentenças judiciais atingiria o “equilíbrio fiscal” do governo, segundo um auxiliar de Guedes, e impediria a reformulação do Bolsa Família, medida tratada como prioridade por Bolsonaro para alavancar a sua candidatura à reeleição.
Guedes disse na sexta (30) que o Orçamento de 2022 terá de R$ 25 bilhões a R$ 30 bilhões livres para permitir o pagamento médio de até R$ 300 ao Bolsa Família. Hoje o valor médio distribuído a 14 milhões de beneficiários é R$ 192.
O Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) disse em nota que a proposta de mudar regras de pagamento de precatórios devidos pela União “revela contornos antidemocráticos” e representa a tentativa de “institucionalização do calote” com fins eleitorais.
A entidade ainda disse “estar certa” de que o Congresso não irá respaldar a proposta do governo.
Atrás nas pesquisas, o presidente faz ameaças golpistas sobre impedir o pleito em 2022 se for mantido o modelo atual de urna eletrônica. O presidente quer turbinar programas sociais para melhorar a imagem do governo.
A OAB lembrou que o mercado já reagiu a tentativas anteriores do governo de alterar a forma de pagamento de precatórios. “Novamente, o governo federal invoca o montante da dívida da União como obstáculo ao pagamento de suas obrigações constitucionais e ao financiamento de programa social definindo-o como ‘meteoro'”, disse a entidade.
Para o vice-presidente da Câmara dos Deputados, Marcelo Ramos (PL-AM), é inadequado chamar o valor de precatórios de “meteoro”. “Esses cidadãos aguardam por anos, muitas vezes décadas, o direito de ver reparado um dano sofrido”, afirmou o deputado no Twitter.
Ramos ainda disse que a legislação permite acordos para o pagamento das dívidas. ” É impressionante que o ministro da Economia se mostre surpreendido com tema antigo, cotidiano e devido constitucionalmente, e que não tenha atentado para as possibilidades de negociação a partir da lei”, afirmou o deputado.