Com 68 anos recém-completados, a diarista Antônia Vaz de Arruda passou a ter uma conta bancária em seu nome há apenas nove anos. E isso só aconteceu por uma obrigação para receber a aposentadoria. Mesmo assim, Antônia pouco movimenta sua conta e prefere andar com dinheiro no bolso. Seu cartão fica na mão da filha, que faz o saque assim que o benefício cai na conta. “Já tentaram me ensinar várias vezes, mas eu não consigo aprender, nem quero”, diz ela, que utiliza normalmente o celular para aplicativos como o WhatsApp.
Apesar do avanço do uso Pix e dos cartões, a maioria dos brasileiros tem uma relação com o dinheiro parecida com a de Antônia. Segundo pesquisa inédita da Fundação Dom Cabral (FDC), com a empresa de transporte de valores Brink’s, 53,4% dos brasileiros preferem pagar contas e fazer compras em dinheiro. Depois das cédulas e das moedas, aparecem o cartão de crédito (20%), cartão de débito (16,5%), boleto bancário (4,6%) e o novato Pix, que surgiu no fim do ano passado e tem a preferência de 3,5% dos brasileiros.
A pesquisa foi feita com 2 mil pessoas por telefone, o que, segundo o responsável pela pesquisa, o professor Fabian Salum, traz um recorte mais fidedigno da situação atual. “Evitamos o viés de respondentes de capitais e de internautas, e isso mostrou que o dinheiro ainda está longe do fim”, diz.
O principal motivo pela opção pelo dinheiro é o controle, com 31,3% das respostas. O número se divide entre a possibilidade de saber o que gastam (26%) e não gastar o dinheiro que não têm (5,3%). Depois vêm a facilidade, com 22,4%, e a segurança, com 11,1%.
Conforme Salum, a segurança preocupa pela falta de infraestrutura de internet em boa parte do Brasil ou também pela falta de acesso a equipamentos melhores. “As pessoas têm receio de que o meio de pagamento não funcione por falhas na conexão ou do celular, por exemplo”, diz.
O número é influenciado pelo fato que, segundo o estudo, 38,5% da população adulta não tem conta bancária – principalmente no Nordeste (47,1%) e menos no Sul (27,7%).
A pandemia também fez o dinheiro em circulação aumentar. Segundo o Banco Central, eram R$ 212 bilhões em papel-moeda no início de 2020, quase R$ 309 bilhões em dezembro, puxado pelo pagamento do auxílio emergencial, e, entre março e agosto, o volume caiu para R$ 280 bilhões. “Os meios de pagamento digitais tendem a superar o dinheiro físico, pois é um movimento natural, mas a população mais velha e mais pobre ainda vai levar um tempo para confiar plenamente neles”, diz Salum.
Jovens
O Pix estreou em novembro e, quase um ano depois, conforme a pesquisa, 49,2% da população já utilizou a ferramenta. Quando o recorte é na população mais jovem, 27,2% dos millennials (nascidos nos anos 1980 até meados dos anos 1990) admitem usar muito o Pix, e o porcentual sobe para 43,2% da geração Z (nascidos entre a segunda metade dos anos 1990 e 2010).
“O dinheiro vai demorar para morrer, mas as grandes barreiras de tecnologia estão ficando cada vez menores. E essas novas tecnologias podem demorar um pouco para mudar, mas depois têm um processo relativamente rápido”, diz Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV/Eaesp.
A Brink’s, que patrocinou a pesquisa, quer utilizar os dados para ajudar seus clientes a entender a transição por que passa a própria empresa. Cerca de 60% do faturamento vem do transporte de valores, especialmente o dinheiro – hoje, a empresa já oferece carteira digital. “Essa participação do dinheiro já foi muito maior, e a tendência é de que continuemos diversificando”, diz Gil Hipólito, diretor de novos negócios da Brink’s.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.