Os 39% de aumento no preço do gás natural encanado devem parecer distantes para a grande maioria das famílias brasileiras. Afinal, 9 em 10 casas brasileiras usam gás em botijão. Se engana, no entanto, quem pensa que o reajuste não pesará no bolso.
Segundo o economista Paulo Cereda, o impacto pode chegar tanto nos produtos industrializados, quanto no preço da energia. “Há as siderúrgicas, indústrias de vidro, papel, celulose, química, cerâmica, cimento e alumínio. São cadeias produtivas longas que acabam chegando de um jeito ou de outro no nosso bolso”, comenta.
Em uma compra no supermercado, por exemplo, o impacto pode vir de diversas formas. Biscoitos e produtos de panificação industrializados usam gás natural em grande parte das plantas. Os plásticos e papéis das embalagens, também.
No campo, o gás natural é usado para a produção de fertilizantes nitrogenados, como a ureia e amônia, e a base de enxofre. O gás está presente também nas cadeiras têxtil e até o setor farmacêutico e da indústria da beleza. O material escolar também é afetado, uma vez que é o gás natural que aquece as caldeiras de celulose.
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“Tanto a indústria que faz a utilização do gás diretamente como fonte de energia, quanto a que faz uso da energia elétricas serão impactadas pela alta do gás encanado”, explica o economista.
Passadas as “águas de março”, o calendário avança para o Outono, estação do ano de transição caracterizada pelo menor volume de chuva. Menos precipitações resultam em menor quantidade de água nos reservatórios das usinas hidrelétricas. E para garantir que haja luz nas residências, indústrias e comércios, são acionadas as termoelétricas, que usam gás natural. “Nos momentos de bandeira vermelha vamos sentir mais fortemente esse impacto desse custo”, comenta.
Quatorze meses após o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmar que o dólar mais alto “é bom para todo mundo”, em um momento em que a moeda estadunidense estava cotada a R$ 4,32, o brasileiro tem sofrido com o preço da moeda. Os impactos do sobe e desce da divisa vão muito além do preço de uma viagem à Disney.
Segundo Cereda, um dos culpados pela alta do gás é justamente o dólar alto aliado, é claro, com o aumento da cotação do petróleo no mercado internacional. A Petrobras justificou a alta mencionando três fatores: os dois já mencionados e o reajuste referente ao transporte ao transporte do gás, atualizado pelo IGP-M, a “inflação do aluguel”. O tamanho do aumento, vindo em uma “pancada só”, pode ter a ver com a política de preços aplicada pela estatal.
“A cada três meses é reajustado o preço, então temos um represamento de custos que podem ter um susto como esse aqui”, emenda.
Como pano de fundo neste cenário econômico escondido atrás dos 39% está uma boa notícia, pelo menos para os países que fizeram a lição de casa no combate à pandemia. Com China e Estados Unidos, “consumidores vorazes” de commodities voltando às compras no “pós-pandemia”, produtos cotados no mercado internacional que vai do petróleo e passa por grãos, boi gordo, ouro e até suco de laranja vão aumentando os preços. Aí entra a lei da oferta e da procura.
“O mundo tem voltado ao normal, então as grandes economias que estão fazendo investimentos no combate à Covid, tem a recuperação da atividade (econômica) e o chamado movimento para alta de preços do petróleo e outras commodities que têm impacto no nosso IGP-M, também puxado pelo câmbio”, explica.
Em Brasília, políticos se esforçaram para aprovar o novo marco regulatório do mercado de gás. A legislação nova depende de sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A promessa é que a concorrência aumente em um mercado monopolizado pela Petrobras.
“Eu olho isso com um pouco de cuidado porque já tivemos outras quebras de monopólio, como por exemplo, na telefonia. O resultado, principalmente, nos dados móveis, é que não tivemos uma redução de preços tão favorável para o consumidor final”, avalia.
Em um cenário com quatro players internacionais, como o que ocorre na telefonia, o economista se mostra cético. Para ele, a saída para a economia como um todo é fazer as cadeias produtivas voltarem a funcionar com maior força. Para tal, é necessário vencer a pandemia.
“O que nos resta é torcer que vençamos a pandemia, as incertezas que temos em relação ao Orçamento Público do nosso país com relação a gestão da economia para que minimamente o dólar fique mais barato. (Com) nossa moeda mais valorizada não teremos tanto impacto de repasse de custos para cadeias energéticas tão importantes como a do petróleo e gás”, finaliza.