Câmeras, sensores biométricos, redes sem fio, robotização, tudo isso ligado a uma central que calcula e ajuda na tomada de decisão. A pecuária de precisão, também chamada de pecuária 4.0, se assemelha ao “Big Brother” em termos de monitoramento constante, a ponto de antecipar comportamentos de animais.
Tudo isso, aliado a revoluções tecnológicas que aportam em ondas ao Brasil, ajuda no bem-estar animal, minimiza custos e perdas e maximiza ganhos, sobretudo em um setor produtivo que é tido como atrasado por quem tem preconceito ou desconhece a vida no campo. Os novos sistemas, se usados em larga escala, poderão trazer ganhos a um país onde há um boi por habitante.
Em São Carlos (SP), polo tecnológico conhecido por suas startups e ambiente propício a criação e inovação, a Embrapa Pecuária Sudeste desenvolve meios para conectar diferentes dispositivos de monitoramento a uma rede integrada, segundo o pesquisador Alberto Bernardi.
“Agora conseguimos tratar não mais um lote homogêneo mas consigo individualizar cada animal. Um que produz mais eu posso dar mais comida, pois ele vai produzir mais. Animal com menor potencial de produção não adianta colocar mais comida pois ele não vai reverter”. “Isso pode ser usado na produção de leite, como vacas de alta produção receber mais ração. Já no sistema de engorda de bovinos em confinamento, tem diferentes animais que ganham mais peso, chegam mais rápido ao peso de abate”, comenta.
A pecuária 4.0 usa de diferentes sensores. É possível saber, por exemplo, o quanto de água um boi tomou durante o dia. O quanto ele andou, período de descanso, temperatura corporal, ruminação, se está ofegante e até emissão de gases de efeito estufa.
Com base na computação em nuvem e inteligência artificial, sempre supervisionado e vigiado por humanos, é possível tirar informações e conclusões sobre o comportamento dos animais e as possíveis causas.
“Um animal que não está ganhando peso pode ter um problema. Então localiza-se o animal, separa e realiza exame. As ferramentas de pecuária de precisão são auxiliares na gestão. Então elas nos ajudam a indicar a melhor decisão, mas o técnico precisa sempre estar ali presente, a decisão dele ficará mais fácil por ter dados”, resume.
Na pecuária leiteira, por exemplo, o conforto térmico é determinante na produção de cada vaca. Locais quentes e sem cobertura podem derrubar a produção diária. Com a tecnologia é possível fazer o acompanhamento em tempo real de todo o rebanho, com poucos funcionários.
O “Big Brother Rural” usa a tecnologia de sensores RFID (Identificador por Radiofrequência, na sigla em inglês) implantados nos animais. Atrelado com um sistema de ordenha robotizada é possível mensurar quanto de leite cada vaca está rendendo todos os dias. O robô limpa e higieniza a mama da vaca e consegue aferir a qualidade do leite, inclusive realizando a separação do produto que não estiver com condições de consumo humano, como o colostro e de vacas com mastite, uma inflamação da mama, segundo André Novo, chefe adjunto de transferência de tecnologia da Embrapa Pecuária Sudeste.
“Há sensores colorimétricos que podem identificar traços de mastite, alguma infecção que vai prejudicar a qualidade do leite. O robô automaticamente destina o leite do quarto do úbere (teta) da vaca que pode ser usado para consumo do bezerro ou descarte. É a primeira inspeção feita”, comenta Novo.
A robotização da ordenha precisa, sobretudo, da “colaboração” das vacas, segundo Novo. Os animais são condicionados e acostumados em uma rotina que inclui a ordenha robotizada e ganham “brindes” após passar o equipamento. Com o tempo, elas mesmas vão até a máquina para retirar o leite.
“Na verdade, o que tem de inovador é que vamos colocar esse sistema, adaptar e criar condições para o sistema robotizado a pasto, o que não tem no Brasil e em regiões tropicais. O país tem mais de cem equipamentos em sistema convencional com vacas confinadas”, explica Novo.
Todo esse “Big Brother” tecnológico esbarra em dois problemas básicos no país. Um deles é o custo. Antenas, robotização de ordenha, balanças de passagem, sistema wi-fi, porteiras eletrônicas e sensores podem deixar a conta na casa do milhão em um cenário com o dólar alto.
Na outra ponta, o Brasil é carente em infraestrutura de telecomunicações. Dados do Censo Agropecuário de 2017 mostram que 16% das propriedades rurais brasileiras não tem energia elétrica e mais de 70% vivem em um breu digital. Na outra ponta, 85% não obtiveram financiamento bancário, o que mostra uma dificuldade no acesso a recursos para investimento.
“São Félix do Xingu, no Pará, que é uma cidade que tem a maior população bovina do país há mais de 2,8 milhões de cabeças, é um município de extensão grande, 6.400 propriedades rurais e 80% dessas propriedades não têm acesso a internet. São milhões de cabeças de gado estão descobertos de tecnologia 4G”, revela Alexandre Rosseto, pesquisador da Embrapa.
Com tamanho desafio tecnológico da porteira para fora, o Brasil ainda engatinha na implantação da rede 5G, que permite levar internet mais potente a mais pontos de conexão sem perder velocidade e mais estável. Com uma rede de quinta geração implantada, sobretudo na área rural, é possível conectar o rebanho à internet, sem a necessidade de redes wi-fi.