Nesta segunda-feira (20) é celebrado o Dia da Consciência Negra, uma data para se refletir sobre o papel do negro na sociedade. A cidade de São Carlos, segundo a cientista social e pesquisadora Dra. Joana D’Arc de Oliveira, foi construída sobre a égide da escravidão e ficou marcada pela luta e resistência.
É notório que a história comumente contada sobre como a cidade atuava no período escravista deixa de lado toda a resistência dos escravizados e suas vivências, mas o trabalho historiográfico vem para quebrar a propagação desse ‘senso comum’.
A pesquisadora ressalta que processos criminais, cartas de liberdade e outros documentos conservados expõem o contexto da situação e mostram todo o protagonismo da população negra no oeste paulista em prol da luta e conquista da liberdade.
LIBERDADE ANTECIPADA?
À época, uma nota do Jornal do Senado do Império, de 14 de maio de 1888, colocava São Carlos entre as cidades que libertaram seus escravos antes da abolição da escravatura, mas essa foi uma narrativa “derrubada” pela própria história.
Assim, como frisa a cientista, não há garantia de que quando chegou o dia 13 de maio, essas pessoas foram imediatamente libertas.
“As memórias, os relatos nos mostram que muitas pessoas continuaram ainda com as mesmas condições. Não conseguimos precisar a partir de datas quando a população escravizada local realmente teve acesso à liberdade”.
O RACISMO CIENTÍFICO
A pesquisadora explica que no século XIX, a história traz uma São Carlos dialogando fortemente com ideários do racismo científico – corrente de ideias que discriminam pessoas por suas características com a ideia de “justificar” o racismo.
É neste contexto, então, que a população negra são-carlense volta a mostrar sua força frente o projeto de branqueamento do país, quando fazendeiros começam a dialogar nos âmbitos políticos e se negam, em sua maioria, a ter mão-de-obra de pessoas negras que já não eram mais escravas.
“Suas ações são muito efetivas e direcionadas para a exclusão do povo negro e serão também fortemente combativos com a cultura negra, suas práticas religiosas e suas crenças”, explica.
Com essa tentativa de “modernização”, a população preta vai ocupando bairros como Vila Pureza, Vila Izabel e Vila Nery e se apropria desses espaços, mas ainda ocupando espaços de onde eram excluídos, mostrando que tinham (e têm) o direito de estar em todo e qualquer lugar que quisessem.
“Na Igreja Catedral, por exemplo, mesmo sendo recebidas por olhares preconceituosos, muitas famílias negras frequentavam e faziam questão de bater de frente com esses olhares. No entanto, o que mais se consolida enquanto passo de resistência são os próprios bairros negros”.
Cientista social Joana D’Arc de Oliveira
PARA ESTUDAR
Tudo isso e mais informações sobre as vidas negras no oeste paulista estão apresentadas no livro de sua autoria, ‘Da senzala para onde? Negros e negras no pós-abolição em São Carlos’, que está disponível na Fundação Pró-Memória ou na internet (clique aqui).
Todos os relatórios e documentos levantados pela historiadora também estão disponíveis na Fundação, que funciona de segunda a sexta, das 8h às 12h e das 13h às 17h.