WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O governo dos EUA pressionou o Brasil a rejeitar a compra da Sputnik V, vacina russa contra a Covid-19. A informação consta de um relatório publicado pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos americano em 17 de janeiro, três dias antes da posse de Joe Biden.
O documento é um balanço anual sobre as atividades do departamento em 2020, ainda sob o governo de Donald Trump.
Na página 48, assinada pelo então secretário de Saúde Alex Azar, há um trecho que diz que os EUA usaram relações diplomáticas para dificultar as negociações de países como a Rússia, classificados como “mal-intencionados”, na comercialização dos imunizantes.
“Os exemplos incluem o uso do escritório do Adido de Saúde do OGA [Escritório de Assuntos Globais do Departamento de Saúde dos EUA, na sigla em inglês] para persuadir o Brasil a rejeitar a vacina russa contra a Covid-19”, afirma o texto divulgado pelo governo americano.
Segundo o relatório, as relações diplomáticas foram utilizadas para combater o que o departamento chama de “influências malignas nas Américas”, vindas de países como Cuba, Venezuela e Rússia –constantes alvos da retórica e política de Trump durante todo seu governo.
“O OGA usou relações diplomáticas nas Américas para mitigar os esforços de nações como Cuba, Venezuela e Rússia, que estão trabalhando para aumentar suas influências na região em detrimento da segurança e proteção dos EUA. O OGA coordenou esforços com outras agências governamentais dos EUA para fortalecer os laços diplomáticos e oferecer serviços técnicos e assistência humanitária para dissuadir os países da região de aceitar ajuda desses estados mal-intencionados.”
Na manhã desta segunda-feira (15), o perfil oficial da Sputnik V no Twitter chamou atenção para o relatório e fez críticas à atitude americana, dizendo que os países devem trabalhar juntos “para salvar vidas.” “Os esforços para minar as vacinas são antiéticos e estão custando vidas”, diz a postagem.
Diante da escassez de vacinas no Brasil devido à ineficiência do governo Jair Bolsonaro, na semana passada os governadores do Nordeste tomaram a iniciativa de negociar por conta própria e assinar um contrato com o Fundo Russo de Investimento Direto para a compra de 37 milhões de doses da Sputnik V, que devem chegar ao Brasil entre abril e julho.
Um dia após a movimentação dos governadores, o Ministério da Saúde do Brasil assinou um contrato para a compra de 10 milhões de doses da Sputnik V -que ainda não tem aval da Anvisa para uso emergencial.
A Sputnik V teve eficácia de 91,6% contra a Covid-19, segundo resultados preliminares publicados na “The Lancet”, uma das mais prestigiosas revistas científicas do mundo.
A vacina foi aprovada na Rússia em agosto de 2020 e cerca de 50 países já autorizaram o uso do imunizante –o que não é o caso dos EUA, que liberaram as vacinas da Pfizer, Moderna e Johnson & Johnson.
A geopolítica da vacina acirrou a guerra entre EUA e outras potências, como China e Rússia, durante a pandemia. Trump acalorou as disputas, que não arrefeceram sob Biden.
Na semana passada, o governo do democrata sofreu pressão para doar a outros países, inclusive ao Brasil, milhões de doses de vacina da AstraZeneca que estão paradas em depósitos americanos e ainda não receberam autorização para uso da FDA (agência reguladora dos EUA, equivalente à Anvisa).
A equipe do presidente, porém, afirmou que não compartilharia o excedente com outros países enquanto a situação nos EUA não fosse resolvida em termos de imunização.
O país tem tido um salto em termos de vacinação, com recorde de mais de 4 milhões de pessoas imunizadas em um único dia, mas a chamada imunidade de rebanho só deve ser atingida entre os americanos no meio do ano.
Biden, por sua vez, anunciou uma parceria com Austrália, Japão e Índia para financiar 1 bilhão de doses de vacina para o Sudeste Asiático, na tentativa de conter a China, e também dispersar as atenções sobre a recusa dos EUA em compartilhar suas doses de vacinas excedentes.