ARARAQUARA 205 ANOS – Ao longo desta semana, o acidade on irá publicar uma série de reportagens, que destacam pontos históricos de Araraquara e celebram seu aniversário.
No mês de aniversário da Morada do Sol, a reportagem resgata a história da emblemática Chácara Sapucaia, rebatizada de Centro Cultural Professores Waldemar e Heleieth Safiotti.
O espaço de 20 mil metros quadrados é indissociável da história de Araraquara, tanto no campo cultural, social e político.
Contar sobre a Chácara Sapucaia é resgatar a memória de um período e entender os meandros que a fazem tão singular e importante para a cidade.
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A historiadora e secretária da cultura de Araraquara, Teresa Telarolli, é peça fundamental no resgate histórico da Chácara.
Ela explica que a característica mais marcante do local é a convergência de três trajetos bem diferentes que por ali trilharam: o sujeito histórico e político de Pio Lourenço, o caminho de Mário de Andrade e a vinda do casal Safiotti e futura doação do espaço para a Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara.
A Chácara Sapucaia foi tombada como patrimônio histórico do município em 2014, e a gestão é feita pela Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara (FCLAr).
O TRAJETO DE PIO LOURENÇO E MÁRIO DE ANDRADE
Político influente, o fazendeiro Pio Lourenço construiu o casarão da chácara no final do século XVI para fugir da febre amarela que assolava Araraquara e proteger a sua esposa Zulmira. Naquele tempo, o casarão era uma grande fazenda e abrangia a escola Victor Lacorte e o Sesc.
Antes considerado “fora da cidade”, hoje é parte importante do bairro do Carmo.
“Isso é interessante porque se for ver em linha reta com o marco zero da Matriz dá 4 km de distância”, comenta Teresa.
A historiadora explica que a vinda de Mário de Andrade, que era sobrinho de Zulmira, para a Sapucaia, se dá devido a uma depressão que o escritor passava devido à perda de um irmão.
Aos poucos, Mário se recupera e surge uma amizade duradoura com Pio, embora os dois fossem bem diferentes em suas posições políticas.
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“Nascia uma amizade tão forte quanto improvável. O Pio era um homem da terra, tinha erudição, era autodidata em biologia, em linguística, mas também era um sujeito rígido e conservador em todos os aspectos. Era escravagista, uma personalidade introvertida e difícil também”, pontua Telarolli.
Já o Mário era jovem, vinha de uma família da sociedade paulistana, e estava conectado ao que era mais moderno naquele momento, tanto que tem participação na semana do modernismo.
Assim, a emblemática obra literária Macunaíma é produzida em partes dentro da chácara Sapucaia, na famosa banheira austríaca. A peça faz parte de uma exposição permanente do local.
“Araraquara virou um refúgio para ele, teve todo esse acolhimento, então duas vezes por ano ele vinha para cá para escrever, pesquisar, inclusive na área de botânica para o Macunaíma, e também pesquisas sobre folclore que ele tinha com o Pio, e isso durou até o fim da vida dos dois”, relembra.
Com a morte de Pio e esposa, o local vai para os sobrinhos Renato Rocha e seu irmão que começam a lotear a chácara.
A VINDA DO CASAL SAFIOTTI
Os herdeiros ficam com a Sapucaia até o final dos anos 60, quando chega à Araraquara o casal Waldemar e Heleieth Safiotti com o seu filho. Era uma época de efervescência cultural e começo de ditadura no Brasil.
“Ali virou um espaço de interlocução e muita efervescência política, porque pega um momento da ditadura e ambos eram de esquerda, marxistas. O local começa a ter uma grande circulação de pessoas, de estudantes, e muita gente tem essa memória”, aponta.
Nesta época, a Faculdade de Filosofia de Araraquara se torna a Faculdade de Ciências e Letras (FCLAr), e Heleith era professora de sociologia renomada. Já Waldemar era da Química da Unesp, e chegou a ser vereador de Araraquara.
O casal teve um filho que morreu de forma trágica no local. Sem herdeiros, decidiram doar que a chácara à Unesp após a morte de ambos.
DOAÇÃO E AMOR À ARARAQUARA
Segundo Teresa Telarolli, o termo de doação da chácara à Unesp tinha uma condição: transformar o espaço em centro cultural e assim foi. Para ela, é um privilégio a cidade ter um espaço desses.
“É um espaço raríssimo, e um privilégio a cidade ter um espaço como a chácara Sapucaia, é um retrato sob o ponto de vista da história local, nacional e de relevância acadêmica. Desconheço outras Unesps que tenham algo assim em mãos. É um campo totalmente aberto para se explorado da melhor maneira possível pela universidade, pelo município, e a cidade tem conhecer e frequentar”, observa.
Teresa coordenou a Sapucaia de 2011 a 2016 e, araraquarense da gema, resgatou o caráter histórico que o local havia perdido com o tempo.
Inclusive o acervo da biblioteca “Heleith Safiotti”, com mais de sete mil livros com enfoque no feminismo, sociologia e gênero foram conseguidos por intervenção dela à família.
Fora a emblemática biblioteca, há exposição permanente sobre Mário de Andrade e a obra Macunaíma, cursinho popular da Unesp e grupo de teatro Alquimia. Conquistas únicas e especiais para a Morada do Sol.
“Muita gente mora aqui e não conhece a chácara. Temos que levar mais a cidade para dentro da Sapucaia”, conclui.
VISITAÇÃO
Para visitar a Centro Cultural Professores Waldemar e Heleieth Safiotti – Chácara Sapucaia é preciso agendar pelo telefone (16) 33321505. Há monitoramento e visita guiada para escolas do município.
O funcionamento é de segunda à sexta-feira das 8h às 17h .