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CotidianoDe oficina a prédio abandonado: a história da 'casinha' da Estrada de Ferro Araraquara

De oficina a prédio abandonado: a história da ‘casinha’ da Estrada de Ferro Araraquara

Segunda reportagem do Especial de Aniversário conta a história de um dos prédios mais antigos da EFA pelo olhar de antigos funcionários

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ESPECIAL DE ANIVERSÁRIO – No alto de uma parede de tijolo e debaixo da pintura branca que perdeu a cor com o passar dos anos, ainda é possível encontrar as iniciais ‘CA’. A sigla se refere à Companhia Araraquarense, que depois ficou popularmente conhecida como Estrada de Ferro Araraquara.

Localizado a quase 400 metros da Estação, às margens da Rua Antônio Prado, o prédio ainda preserva parte das suas características originais, embora esteja abandonado e sendo utilizado como abrigo para pessoas em situação de rua.

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Os detalhes ondulados nos beirais dos telhados, a madeira no contorno das portas e os poucos azulejos de cor azul que restaram no banheiro indicam que o prédio tenta resistir ao avanço da modernidade e à ação do homem.

Outra característica histórica está na lateral, onde é possível encontrar a primeira marcação de quilometragem da ferrovia: km 0379.

Acima do nível da linha férrea, com cinco portas comerciais, duas para cada lado e uma ao fundo, e oito janelas pequenas, a edificação foi construída para atender às necessidades da ferrovia.

“Este era um dos prédios de apoio da Estrada de Ferro Araraquara. Então, os vagões e as composições chegavam à Estação e de lá vinham para cá vazios. Aqui, eram lavados e feitos alguns serviços pequenos para preparar a composição para seguir viagem. Eles só iam para a oficina principal quando tinham alguma coisa para fazer na locomotiva, quando tinham que fazer um serviço maior, o resto era feito por aqui mesmo”, explicou o pesquisador Hamilton Mendes.

Orlando Biffe mantém na memória as lembranças do local (Foto: Milton Filho/ acidade on)

Aos 89 anos, o aposentado Orlando Biffe mantém na memória as lembranças daquele local. “Eu me lembro dos ferroviários que trabalhavam ali, dos chefes. Era uma oficina de telégrafos. Depois, passaram a fazer a manutenção de sinaleiros – verde, vermelho, parecidos com os de hoje”, contou.

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O aposentado mencionou ainda que, além das manutenções, ali também funcionava um depósito ou estoque, onde caminhões retiravam mercadorias para abastecer armazéns da cidade.

Biffe começou a trabalhar na EFA em agosto de 1954. Primeiro como servente, depois pedreiro até se tornar mestre de obras em 1972. Ele contou que estava ali, quando recebeu a carta de promoção para trabalhar na cidade de Jales.

“Tinha um jardinzinho bonitinho ali. Até o dia em que recebi a carta de promoção para ser encarregado, estávamos podando aquilo ali, dando uma ajeitada bonita. Tinha uma cerca de uns dois metros de altura, então, quando a gente podava, ficava bonito”, lembrou.

O aposentado Gildo de Camargo trabalhou na EFA por 31 anos (Foto: Milton Filho/ acidade on)

Por 31 anos, o aposentado Gildo de Camargo, 94, trabalhou na parte de freios de veículos e locomotivas da ferrovia. Sempre na mesma função até se aposentar em abril de 1977.

As primeiras memórias de Seu Gildo são de quando ainda era criança, com 12 anos de idade. “Embora fosse moleque naquela época, a gente já sabia o que funcionava ali. Tudo o que tinha ali era voltado para a ferrovia”, comentou.

Embora nunca tenha entrado no prédio, ele contou que ali eram feitas manutenções nos equipamentos de telefonia da ferrovia. “Não fazia parte do meu trabalho, então, a gente não participava, não entrava para dar uma olhada. Mas o que me lembro do prédio é que os funcionários que trabalhavam ali tinham comunicação com o pessoal da oficina, mas eu nunca tive esta felicidade de conhecer internamente. Ali eles faziam a manutenção de equipamentos de telefonia da ferrovia”, contou.

ESTRADA DE FERRO ARARAQUARA

A EFA nasceu no final do século XIX, foi encampada pelo governo do estado e chegou a ter 5 mil funcionários, fazendo viagens até a divisa com o Mato Grosso. Ao longo de seu desenvolvimento e expansão, implantou a conhecida bitola larga, comprou novas composições, modificou a utilização e construiu novos prédios.

De acordo com Mendes, muitas edificações se perderam com a construção da Via Expressa e outras ganharam novas funções. “É possível que tenha tido mais de uma função através dos tempos. Nos anos 60, era operacional ainda. Mas a partir de 71 parou de funcionar, quando o governo do estado encampou as ferrovias do interior e criou a Fepasa. Dai, eles passaram a centralizar o serviço de atendimento e, a partir de então, este prédio não funcionou mais”, afirmou.

Em 1998, a Fepasa foi dada à União pelo governo de São Paulo como parte da dívida do estado.

Atualmente, o prédio está abandonado e sendo utilizado por pessoas em situação de rua (Foto: Milton Filho/ acidade on)

UMA SAUDADE

Nascido em Matão, filho de maquinista de máquina de beneficiar arroz e café, Seu Gildo sente falta daquela época. Ele contou que trabalhava muito, mas que chegava satisfeito no fim do dia.

“Mudou tudo porque naquela época, eu, como ferroviário, fazia ferramenta para trabalhar; hoje, você compra a ferramenta pronta. As coisas vão mudando aos poucos. Tenho saudade de ver um trem passar”, sorriu.

Para um dos fundadores da UFA (União dos Ferroviários de Araraquara) e membro da extinta UAPA (União dos Aposentados e Pensionistas da Araraquarense), trem é melhor que carro.

“No trem, você não cansa de ficar sentado, tem restaurante, pode tomar uma cerveja, pode almoçar, jantar, admira a paisagem, passando por estações, estações, estações. Era muito gostoso, gostoso demais“, concluiu Biffe.

O FUTURO

Em julho do ano passado, o COMPPHARA (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico de Araraquara) recebeu pedido para tombar o imóvel, considerado a única edificação sobrevivente da época de fundação da ferrovia. O órgão aguarda parecer do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico do Estado de São Paulo).

A área que por muitos anos pertenceu à União foi doada à prefeitura de Araraquara em maio deste ano. A cidade, então, tornou-se a primeira beneficiada pela Lei de Ferrovias aprovada em 2021, que prevê a cessão de trechos ferroviários não operacionais para obras de interesse público.

Procurada para comentar sobre a destinação do prédio, a prefeitura de Araraquara disse que “aguarda a conclusão do inventário da área da União cedida recentemente para desenvolver um projeto para aquele imóvel.

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ONDE FICA

A ‘casinha’ fica na Rua Antônio Prado, no acesso à Avenida Maria Antônia Camargo de Oliveira (Via Expressa).

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Milton Filho
Milton Filho
Milton Filho é repórter da editoria de cidades do portal acidade on. Formado pela Universidade de Araraquara tem passagens pela CBN Araraquara, TV Clube Band e Tribuna Impressa. Acumula há quase 10 anos experiência com internet, rádio e TV.
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