*Matéria atualizada às 21h13 do dia 3 de março de 2022.
O professor de sociologia de Jaguariúna Mateus Oliveira dos Santos virou alvo de ameaças após um vídeo com o trecho de uma aula sobre gênero dada pelo docente viralizar na internet há uma semana. Ele chegou a fazer um boletim de ocorrência na Polícia Civil.
A aula sobre orientação sexual e diversidade e identidade de gênero dada pelo professor foi criticada por parlamentares como Flávio Bolsonaro (PL) e Carla Zambelli (PSL), que repercutiram o vídeo em suas redes, gerando uma onda de perseguição e críticas nas redes sociais. O jogador de vôlei Maurício Souza, apoiador do governo Bolsonaro, também postou o vídeo com discurso de ódio.
“Vamos atrás desse professor ele não dará mais aula pra ninguém!”, escreveu no post.
Nesta quinta-feira (3), professores, estudantes e ativistas fizeram um ato de apoio ao professor. A manifestação aconteceu das 18h às 20h em frente à Escola Estadual Anna Calvo de Godoy, em Jaguariúna, e defende o debate do conteúdo, considerado “extremamente básico para ajudar a reduzir o preconceito e violência” contra a população LGBTQIA+.
A AULA
O conteúdo foi gravado sem o conhecimento do educador por um dos alunos do 2º ano do Ensino Médio do estabelecimento de ensino e foi disseminado nas redes sociais por figuras públicas, influencers e políticos conservadores.
Nas imagens, feitas em fevereiro, Mateus aparece na sala citando exemplos para explicar a identidade de gênero. “Se eu nasci com meu sexo biológico masculino e me identifico com meu gênero, eu sou um homem cis”, diz em um trecho.
Em outros momentos, também explica o que define uma mulher trans e um homem trans ao diferenciar o sexo biológico do gênero com o qual a pessoa se identifica. Em alguns trechos, os estudantes participam e fazem observações.
REPERCUSSÃO E AMEAÇAS
A partir da divulgação da gravação, publicações foram feitas criticando a aula. “Além da sua liberdade, eles também querem seus filhos! Militante se utiliza do cargo para impor suas ideias de identidade de gênero DENTRO DA SALA DE AULA!”, escreveu Flávio Bolsonaro.
Assustado com a repercussão, Mateus relatou ao acidade on Campinas que foi avisado por alunos e uma colega de profissão sobre o vídeo. Dias depois, segundo ele, a esposa foi identificada e ameaçada por uma pessoa desconhecida.
“Ela recebeu mensagens de uma pessoa que a gente acredita ser da cidade, porque sabia que ela era minha esposa. Nós fizemos um boletim de ocorrência e estamos recebendo o apoio de advogados do sindicato e advogados”, explicou.
RESPALDO E EMENTA
A aula sobre orientação sexual e diversidade e identidade de gênero, de acordo com o educador, está prevista no currículo da disciplina de sociologia e na grade da BNCC (Base Nacional Comum Curricular) e do Currículo Paulista.
Além disso, a abordagem foi definida em conjunto com a diretoria da escola após casos de homofobia e transfobia registrados na unidade. “Nós temos alunos trans que utilizam nome social com respaldo dos pais e que ainda sofrem”, alega ele.
Mateus esclarece ainda que o objetivo da atividade também visava a discussão sobre a diversidade social e não só de gênero. “Era uma aula na qual eu trabalhava a diversidade étnico-cultural. Foi definida com a escola”, reforça.
RECEPTIVIDADE
Mateus Oliveira dos Santos argumenta que os alunos são receptivos e estão abertos a debates deste tipo durante as aulas. Segundo ele, essa foi a primeira vez que precisou levar uma repercussão sobre o assunto a outras instâncias.
“A gente tem problemas com homofobia e transfobia em sala de aula, porque a sociedade normaliza esse discurso. Porém, quando o assunto é abordado em sala, embora surjam dúvidas e discussões, tudo é conversado de forma tranquila”, diz.
O episódio, apesar de inédito, é visto por ele como o reflexo inevitável de um momento de questionamentos dos conteúdos das ciências humanas dentro das escolas, principalmente por parte de determinados grupos mais conservadores.
MEDIDAS
Além de buscar o respaldo da coordenação e da direção da escola e de registrar um boletim de ocorrência sobre o caso na Polícia Civil, o professor de sociologia também conversou com os pais do estudante que gravou a aula sem a autorização dele.
“A direção da escola e da Diretoria de Ensino Campinas Leste viram que minha aula estava dentro do conteúdo e alunos me apoiaram. Os pais do adolescente ouviram a explicação e reconheceram o erro sobre a minha exposição”, relata.
MENSAGEM
Como nunca havia sido gravado e exposto em aula, ainda mais após ser visto por milhares de pessoas, o professor de sociologia conta que as ameaças o assustaram e o fizeram perder o apetite, noites de sono e a se afastar da internet.
Agora, semanas depois do episódio, reafirma que a intenção era esclarecer e explicar, através do debate, a importância do respeito e da tolerância, já que a população LGBTQIA+ costuma sofrer perseguições e são alvos diários de crimes.
“É muito ruim ver a sociedade não entendendo como uma pessoa se identifica quanto ao gênero. A pessoa não ser respeitada parte de um desconhecimento. Então, eu, enquanto sociólogo e educador, quero humanizar e diminuir a violência, pontua.