O CIATox (Centro de Informação e Assistência Toxicológica) da Unicamp, em Campinas, emitiu um alerta para os serviços de saúde em todo o Estado. O motivo do aviso é o aumento no número de casos de intoxicação grave e mortes relacionadas à ingestão de metanol por meio do consumo de álcool combustível, especialmente na região de Campinas.
Segundo o Centro, os casos estão associados ao consumo de álcool obtido de bombas de abastecimento de postos de combustíveis.
Desde 2016 até julho deste ano, foram registrados 14 casos de intoxicação grave na área de atendimento do Centro, com 11 mortes. A maior parte desses incidentes ocorreu recentemente, no ano passado e neste ano. Em 2022, foram notificados cinco casos de intoxicação, e neste ano, outros cinco até o mês passado.
As vítimas
A maior parte das vítimas é de pessoas em situação de vulnerabilidade, dependentes de álcool e em situação de rua. De acordo com o levantamento, quase todos os casos de intoxicações desse tipo acabam sendo fatais.
Com os casos, o Ciatox também fez outro alerta, mas sobre a concentração de metanol acima do permitido em combustíveis (veja mais abaixo).
Mais detalhes sobre as vítimas
De acordo com o balanço, os pacientes que morreram após intoxicação vieram das seguintes cidades:
- 2 de Campinas
- 2 de Sumaré
- 2 de Santa Bárbara d´Oeste
- 1 de Limeira
- 2 de Itu
- 1 de Jundiaí
- 1 de Rio Claro
Os três sobreviventes tiveram sequelas neurológicas e também amaurose (cegueira total ou parcial). Segundo o Centro, entre as vítimas estavam pessoas vivendo em situação de rua e outras abrigadas em serviço de apoio a pessoas em situação de vulnerabilidade.
“A abstinência alcoólica e dificuldades financeiras para obtenção de bebidas legalizadas, foram consideradas as motivações na maioria dos casos”, informou o Ciatox.
Concentração de metanol acima do permitido em combustíveis
Os casos de contaminação também alertam para outro problema, com concentração de metanol acima do permitido em combustíveis.
“De acordo com os dados obtidos, os pacientes foram expostos a amostras de álcool combustível contendo, ao que tudo indica, elevadas concentrações de metanol, necessárias à produção de quadros clínicos graves de intoxicação, não condizente com o limite legal de 0,5% de metanol autorizado na mistura do etanol hidratado combustível, onde a concentração de etanol deve variar de 92,5 a 94,6%”, informou.
Com isso, o CIATox recomendou investigação de origem do metanol e tipos de adulteração do combustível pelos órgãos competentes.
Contaminação, internação e remédio
Além da história clínica de ingestão de álcool combustível, a principal motivação para consulta ao CIATox, decorreu da gravidade dos casos. De acordo com o balanço, 11 tiveram registros de intensa depressão neurológica e 10 de choque, associados à presença de acidose metabólica grave. Ao todo 13 pacientes precisaram de ventilação mecânica invasiva.
O alerta afirma que nos 10 casos onde a matriz biológica sangue foi encaminhada ao Laboratório de Toxicologia Analítica (LTA) do CIATox de Campinas, a presença de metanol foi confirmada nessa matriz em todos os casos, a maioria em concentrações elevadas, com média de 156 mg/dl, além da identificação, também, de elevadas concentrações do ácido fórmico, principal metabólito tóxico do metanol, analisado em nove casos.
Segundo o CIATox, o remédio contra a contaminação foi cedido pela Unicamp, mas há falta do estoque na rede pública de saúde.
“Em praticamente todos os casos onde foi empregado o antídoto, esse foi cedido do estoque de antídotos do CIATox de Campinas, mantido pelo setor de farmácia do HC da Unicamp, indicando a carência desse produto na rede regional de atenção às Urgências e Emergências do SUS, resultando em atraso do início da administração do antidoto”, informou.
Alerta para o Estado
Com os registros de intoxicação, o CIATox alerta para uma situação grave que “possivelmente representa a ‘ponta de um iceberg’ quanto ao número de casos semelhantes ocorridos ou ainda ocorrendo na região e provavelmente, em outros estados do país”.
“Com isso, o centro recomendou um conjunto de medidas urgentes para serem implementadas, envolvendo diversas Instituições, como Vigilâncias Epidemiológicas e Sanitárias, os Serviços de Urgência e Emergência, os Serviços de Medicina Forense, além da Polícia Civil, e ANC (Agência Nacional do Petróleo), entre outros”, diz o texto.
O documento indica que os Serviços de Urgência e Emergência também devem ser alertados quanto à possibilidade de intoxicação por metanol, ou outros álcoois tóxicos, para atenção às principais manifestações clínicas e alterações laboratoriais detectadas nesses casos e indicação adequada dos antídotos e da terapia renal substitutiva, quando couber, além das medidas de suporte.
O documento ainda sugere a incorporação de todos os CIATox atuando em nível nacional.
Procurada, a secretaria de Saúde que o DRS (Departamento Regional de Saúde de Campinas) ainda não recebeu o alerta do CIATox. O ministério de Saúde ainda não se pronunciou sobre o caso.
Em nota, a Prefeitura de Campinas informou que a Rede Mário Gatti de Urgência, Emergência e Hospitalar não tem demanda, nos últimos anos, de atendimento a pacientes intoxicados por metanol. “Em caso de eventual necessidade do antídoto, as unidades entrarão em contato com o Ciatox, que orientará a conduta a ser adotada”, diz a nota.