Desde a caça de animais na era dos homens das cavernas, a carne faz parte da rotina alimentar de muitas pessoas. Contudo, para que as proteínas de origem animal cheguem ao nosso prato, é necessário sacrificar uma vida. Em meio a tentativas de encontrar uma nova forma de se alimentar de maneira saudável, pesquisadores da Unicamp participaram de um estudo sobre a segurança de se produzir carnes por meio do cultivo de células em laboratório.
O estudo da FEA (Faculdade de Engenharia de Alimentos) da Unicamp avaliou aspectos relativos à segurança da carne cultivada em laboratório. A pesquisa foi realizada em parceria com o The Good Food Institute Brasil, organização sem fins lucrativos que apoia estudos sobre proteínas alternativas.
O trabalho deve resultar em uma Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle, importante para lançar no país as bases da nova tecnologia. O documento será divulgado em breve pelo The Good Food Institute Brasil, junto com outros materiais voltados ao público geral.
Atualmente, duas empresas norte-americanas, a Good Meat e a Upside Food, comercializam produtos baseados em carne cultivada de frango, mas ainda ocorre em pequena escala. Além disso, a iniciativa se restringe a clientes seletos de três restaurantes, sendo dois nos Estados Unidos e um em Singapura.
Cultivo sintético
Por se tratar de uma novidade mesmo para pesquisadores da área, o estudo realizado pela Unicamp e pelo The Good Food Institute Brasil pretende avaliar os riscos potenciais de cada etapa do processo, desde a coleta de células do animal doador até o processamento final do produto. O trabalho também projeta como seria o processo completo de fabricação de um hambúrguer de carne cultivada.
“A ideia é que o documento seja um guia sobre como produzir carne cultivada com segurança, estabelecendo boas práticas para a fabricação e que possa ser usado como base por agências regulatórias”, explica Anderson S. Sant’Ana, docente e atual diretor da FEA.
A produção da carne cultivada é uma das alternativas existentes na ciência para a obtenção de proteínas alternativas e sem a necessidade de abate animal. Entre as principais dificuldades em produzir o alimento é manter as características de cor, sabor, textura e aparência similares às dos produtos de origem animal.
“Com a carne cultivada, é possível oferecer um produto capaz de mimetizar a estrutura e as características sensoriais da convencional”, explica Rosana Goldbeck, professora da FEA.
O processo é complexo e exige equipamentos de alta tecnologia e cuidados rigorosos para evitar contaminações.
A receita da carne cultivada conta com quatro etapas principais:
– coleta das células animais a serem cultivadas
– isolamento e seu cultivo em biorreatores
– diferenciação celular e a estruturação dos tecidos
– configuração final do produto na forma em que chegará ao consumidor, sendo um hambúrguer, uma salsicha, um filé
O processo
Por meio de biópsia, as células coletadas passam por um cultivo inicial de crescimento e são preparadas para o ambiente do biorreator. Além de não prejudicar o animal doador, a extração das células garante que possam ser armazenadas por períodos mais longos de tempo.
Após o cultivo inicial, as células seguem para biorreatores, que são equipamentos que possuem controle de temperatura, pH e pressão para o crescimento de células animais. Para isso, as células devem ser cultivadas em um meio de cultura estéril, composto por água, glicose, sais minerais, vitaminas, aminoácidos e indutores de crescimento.
Dificuldades
De acordo com os pesquisadores, um dos principais desafios é o custo dos materiais, já que grande parte dos insumos de formulação dos meios de cultura foi criada pela indústria farmacêutica, “que trabalha com preços e escalas incompatíveis com a produção de alimentos”.
Outro obstáculo acontece na parte da tecnologia de cultivo celular em utilizar um ingrediente que, além de caro, esbarra em questões éticas, já que o soro fetal bovino é extraído de fetos de animais, sendo rico em proteínas, aminoácidos, ácidos graxos e hormônios.
Apesar de ser um meio de cultura eficaz, os pesquisadores afirmam que seu uso para a produção em larga escala é inviável por ser um processo caro. Além disso, há incoerência em utilizar um insumo de origem animal em um produto criado como alternativa ao abate.
Há ainda os desafios de ordem sanitária, ponto avaliado pelo estudo de segurança do The Good Food Institute Brasil, que contou com a participação da Unicamp.
“Identificamos vários componentes dos meios de cultura que não são aprovados para consumo humano. Essa é uma primeira ponta, o desenvolvimento de reagentes que sejam seguros para o consumo humano, ou comprovar que esses componentes usados no início do processo não chegam ao produto final”, aponta Maristela Nascimento, professora da FEA, mencionando outros insumos adicionados ao meio de cultivo que demandam atenção, como hormônios para crescimento e antibióticos.A professora reforça também que, mesmo com todo o processo de fabricação superado, ainda não é possível precisar como será a comercialização do produto. “Não conhecemos ainda o comportamento desse produto no mercado, não sabemos qual sua vida de prateleira”, finaliza.
Quer ficar ligado em tudo o que rola em Campinas? Siga o perfil do acidade on Campinas no Instagram e também no Facebook.
Receba notícias do acidade on Campinas no WhatsApp e fique por dentro de tudo! Basta acessar o link: bit.ly/3B6gn53
Faça uma denúncia ou sugira uma reportagem sobre Campinas e região por meio do WhatsApp do acidade on Campinas: (19) 97159-8294
LEIA MAIS